O boicote ao chamado Oscar Branco, apelido crítico à próxima edição do maior prêmio da indústria cinematográfica mundial, é questionável. “Não adiantar ficar em casa e boicotar, pois assim não se capacita ninguém, não se produzem filmes diferentes, que representem o mundo em que a gente vive”, opina o produtor Daniel Dreifuss.
Em 2013, ele foi o único brasileiro a participar da cerimônia – produziu No, do chileno Pablo Larraín, indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Nascido em Glasgow (Escócia), chegou a Belo Horizonte aos dois anos. Viveu na capital mineira até os 20. Há 12, está radicado em Los Angeles. Nesta semana, ele participa do Festival de Berlim, que inicia amanhã sua 66ª edição. Ele é produtor do também chileno Nunca vas a estar solo (Você nunca estará sozinho), de Alex Anwandter, selecionado para a mostra Panorama, da Berlinale, que exibirá também o brasileiro Mãe só há uma, de Anna Muylaert.
Integrante do Sindicato de Produtores dos Estados Unidos, Dreifuss acredita que a não indicação de atores negros na 88ª edição do Oscar é um reflexo da falta de diversidade na produção atual. “Apontar o dedo para a Academia é olhar o final da corrida sem ver como chegamos lá”, afirma, na entrevista a seguir, por telefone, ao Estado de Minas.
Produtor mineiro radicado em Los Angeles diz que é errado culpar a Academia de Hollywood pela ausência de negros entre os indicados e defende investimento em jovens talentos afrodescendentes
Ter sido produtor de um filme indicado ao Oscar foi um divisor de águas em sua carreira?
Sem dúvidas. Isso valida seu trabalho, te dá um selo de qualidade. Em Hollywood, há tanto ruído e tanta gente, que você precisa de algo que te separe da massa. Aqui não é como no Brasil, em que todos podem entrar num edital público. Todo mundo liga para as mesmas companhias pedindo reuniões, e um executivo não pode ler 3 mil projetos. É muito importante que você consiga um cartão de visitas para que seja você a sentar na frente do executivo.
Os filmes que vão para o cinema são os de espetáculo. Filmes de personagem e que têm foco na história estão com dificuldades de encontrar espaço. Por outro lado, a TV está vivendo sua época de ouro, e várias dessas histórias estão indo para a televisão, para o Netflix, para plataformas de vídeo sob demanda. São produções que encontram uma carreira produtiva sem precisar chegar ao cinema.
Quando comecei a trabalhar aqui, se um filme ia direto para DVD, era um fracasso absoluto. Hoje, um filme como Beasts of no nation, produção que não foi barata e é um projeto original, foi criado pela Netflix. Isso é uma esperança, ainda mais num momento em que a indústria está muito cautelosa.
Qual é a sua opinião sobre a edição 2016 do Oscar, sem negros entre os indicados?
Nos EUA, o problema racial é muito claro, evidenciado menos pelo cinema e mais pelos conflitos sociais. Agora, o problema é da Academia? Acho que não. Os filmes que estão indicados ao Oscar levaram três, seis, oito anos para serem feitos, não foram projetos que começaram ontem. Quando a Academia abre a lista dos filmes que podem ser votados no ano (foram 305 longas elegíveis para o Oscar 2016), quantos tinham temática afro-americana? Seis, sete, 10. Quando você tem centenas de filmes e apenas oito serão indicados, se a maioria é de filmes brancos, os que serão indicados também serão. É uma questão puramente matemática.
Esse problema não é necessariamente da Academia. Problema muito maior são os filmes que estão sendo feitos. Ou seja, apontar o dedo para a Academia é olhar o final da corrida sem ver como chegamos lá.
Qual seria a solução para modificar essa situação?
Quando há atores como Will Smith boicotando a premiação, me pergunto se não seria mais produtivo se ele e outros atores que ganham US$ 15 milhões por filme pegassem o dinheiro e criassem uma bolsa para financiar os estudos e capacitar roteiristas, diretores, produtores negros. Daqui a cinco anos, poderia haver um monte de gente nova ingressando no mercado. As escolas (de cinema) são caríssimas, e também há poucos negros nelas. Há um ator que faz isso, o Tyler Perry. Ele tem um estúdio em Atlanta que só emprega jovens negros. A ideia é capacitá-los. Will Smith, Denzel Washington, por que não fazem filmes por US$ 300 mil de um diretor novo? Se um desses atores entra num filme pequeno, ele usa seu poder econômico e midiático para alavancar a carreira de um novo talento. Assim, eles poderão chegar à lista da Academia. Não adianta ficar em casa e boicotar, pois assim não se capacita ninguém, não se produzem filmes diferentes, com diversidade, que representem o mundo em que a gente vive.