O anúncio de que a Anvisa concedeu registro para a primeira vacina contra a dengue no Brasil traz esperança. Em 2015, o país registrou nada menos de 1,4 milhão de casos no território nacional. Cerca de 800 pessoas, segundo o Ministério da Saúde, perderam a vida. Contar com imunização eficaz é, sem dúvida, motivo de euforia. Mas deve ser visto com realismo. O produto desenvolvido pelo laboratório francês Sanofi Pasteur longe está de constituir panaceia apta a erradicar os males provocados pelo Aedes aegypti.
A vacina é insuficiente para deixar os brasileiros despreocupados. Em primeiro lugar, porque é de aplicação limitada. Destina-se a pessoas de 9 a 45 anos. Exclui, portanto, boa parcela da população. Em segundo, porque tem eficácia global de 66%, considerada baixa tanto por especialistas quanto pelo governo. Vale a comparação: febre amarela, 90%; HPV (contra o câncer de colo de útero), 98,8%. Em terceiro, porque o Aedes aegypti também responde pelas epidemias de zika e chikungunya que avançam no país.
Na terça-feira, o Ministério da Saúde divulgou dados preocupantes. Até 26 de dezembro, havia nada menos que 2.975 casos suspeitos de microcefalia em recém-nascidos de 656 municípios de 20 unidades da Federação. Mais: 40 óbitos estão sendo investigados porque se desconfia estejam relacionados ao vírus zika. Convém lembrar que, em país tão grande e desinformado, nem todos notificam as ocorrências. Se o fizessem, as estatísticas com certeza seriam bem mais assustadoras.
Mantém-se, pois, a prioridade. Nada mais importante, no momento, do que combater o Aedes aegypti. A urbanização desordenada criou condições para a proliferação do mosquito: loteamentos precários, falta de saneamento básico, desleixo na coleta de lixo, manutenção de sucatas a céu aberto, buracos em calçadas e ruas. Alia-se à omissão das autoridades a ignorância ou a irresponsabilidade da população, que cria o mosquito em casa ao manter água em pires de plantas, brinquedos no quintal, depósito de água descoberto.
A vacina pode poupar vidas. É bem-vinda. Mas não deve ser desculpa para baixar a guarda ou fechar os olhos para os enormes desafios impostos pelo Aedes aegypti. Há que combatê-lo sem trégua. Para obter êxito, impõe-se a adesão incondicional de adultos e crianças. Não só. Cabe ao Estado criar rede de proteção e atendimento à geração de brasileirinhos que nasceram com microcefalia. É urgente frear a crise e prevenir a repetição do mal.