Assuntos polêmicos acobertados pelo poderio da Igreja já foram abordados pelo cinema numa leva que inclui O veredicto (clássico com Paul Newman) e Agnes de Deus. Em tom de denúncia, o explosivo diretor Costa-Gavras, com Amém (2012), por exemplo, estreitou laços entre catolicismo e Holocausto. Corajoso também é o cinema do diretor Tom McCarthy que, com Spotlight, desfia um rosário de entraves que, por anos, impediram vincular pedofilia a padres.
Dramas de solitários, como O visitante e O agente da estação, constituíram a carreira de Tom McCarthy, o cineasta que com Spotlight está indicado ao Globo de Ouro ao trocar de disco e revelar narrativa na qual o trabalho em equipe, no caso, de um grupo de jornalistas, fez toda a diferença.
Um efeito dominó de irresponsabilidades, entre instituições da justiça à mídia, passando pelo Vaticano, permitiu que, anos a fio, crianças fossem molestadas, ao custo de mera multa de US$ 20 mil. A implantação de uma Rede de Sobreviventes daqueles Abusados por Padres (SNAP, em inglês) deu fim à abominação.
Michael Keaton interpreta o repórter Robby, mentor ousado, mas prudente de uma divisão interna do diário The Boston Globe, voraz por temas de cunho investigativo. Contrariando a idealização religiosa de metade dos assinantes católicos do jornal, Mike Rezendes (Mark Ruffalo, em atuação inspirada) e a diligente Sascha (Rachel McAdams) examinam, com lupa, “aquilo que bagunçou” a relação entre predadores de batinas e o bom caminho espiritual e físico da mais fragilizada parte do rebanho.
Na trincheira de uma realidade escabrosa que rendeu 600 histórias verídicas para os jornalistas do The Boston Globe, entre especulações e choque de interesses monetários, Spotlight questiona autoridades de araque e dá peso ao conhecimento, no lugar da fé manipulada. Numa sutileza, até a natalina Silent night, cantada por um coro infantojuvenil, é eloquente como peça de denúncia.