ESPECIAL

Análise cultural de 2015 aos olhos do jornalista Celso Borges

O ano foi marcado por diversos shows e projetos. O poeta e jornalista faz uma análise sobre o que (não)aconteceu no segmento

Vista aérea do Centro Histórico
Balanço cultural do ano em apenas uma lauda, me pede a editora. Uma lauda? Melhor brincar de balouço no quintal da infância a tarde inteira, respondo. Nossa! Quanto tempo! As pernas já não têm os nervos elétricos da infância, mas procuro manter em ação o corpo, pelo menos pra dançar e caminhar pela cidade. Precisamos cada vez mais caminhar pela cidade para conhecê-la mais e parar com essa neurose de que a cada esquina vai ter alguém para nos assaltar. Vamos tomar a cidade de assalto. Isso é que é cidadania! Ao balanço, então, já que o balouço tá somente na memória. Mas preciso de no mínimo duas laudas, digo pra ela. Fechado!
2015 foi um ano de muitos shows em alguns espaços da cidade e isso tem contribuído para colocar mais gente na rua. O governo estadual deu alguns passos nesse sentido com o projeto Mais Cultura e Turismo, mas ele tem de se espalhar pelo resto da cidade. Iniciativas de produtores fora do poder público apostam nisso. Poucas, porém essenciais, como o projeto Sebo no chão, que há três anos vem ocupando uma praça do Cohatrac aos domingos sem ajuda de seu Ningas. O Sesc também tem feito a sua parte, realizando seus dois principais projetos culturais (Guajajaras e o Amazônia das Artes), no centro da cidade e em outros bairros.
Já a prefeitura quase não sabe o que é cultura fora carnaval e São João. Vergonha 1: cadê o circo da Cidade? Vergonha 2: Cadê a Escola de Música do Município ? Os instrumentos apodrecem em alguma sala abandonada? Onde? Uma exceção: a Felis (Feira do Livro), que voltou a ocupar o centro. Alguém ainda duvida de que ali é o lugar dela? A programação foi boa, embora um pouco reduzida, mas os defeitos continuam os mesmos dos anos anteriores. Vergonha 3: a Func nunca aprende a divulgar o evento com antecedência e a pagar os palestrantes e debatedores no tempo certo. Além disso, não consegue efetuar parcerias sólidas. A Vale, principal patrocinadora da Felis, em vez de aumentar o patrocínio, diminuiu. Poderíamos fazer uma feira referência em todo o país, mas tropeçamos na incapacidade do poder público. E a Func não ia virar uma secretaria municipal? Promessa de campanha pelo ralo.
A turma do cinema, apesar de dividida, começou a se mobilizar. Bem ou mal, o edital de cinema deve garantir que ano vem teremos gente na rua, filmando longas e curtas. Espero. A seu modo, no silêncio, o Mavan (Museu da Memória Audio Visual do Maranhão) continua trabalhando, filmando, documentando, adquirindo arquivos importantes. Atualmente estão sendo editados quase 40 documentários sobre artistas plásticos maranhenses. Alô, Joaquim Haickel, as produções precisam ser lançadas e divulgadas. Se não, não faz sentido produzir. Filmar e guardar é ficar olhando para o próprio umbigo. Outra coisa, o Mavan tem de abrir para a comunidade. Como? Não sei.
Na linha de frente da formação de público, temos hoje duas salas que além de oferecer boa programação do cinema contemporâneo, apresentam mostras de clássicos e diretores de todos os tempos, principalmente o Cine Praia Grande, que tem à frente Raffaele Petrini, uma pessoa entusiasta e agregadora. Mais uma boa notícia na área: a volta do festival Guarnicê para a Praia Grande, de onde nunca deveria ter saído. E mais: é quase certo que teremos agora anualmente dois eventos promovidos por Mavi Simão: o Maranhão na Tela e o Cinerama, sementes importantes para a formação de público, além de estímulo para o surgimento de novos atores e diretores. Torcendo para ver em 2016 novos trabalhos e mais filmes de Lucian Rosa, Beto Matuck, Naira Albuquerque, Murilo Santos, Marcos Ponts, Arturo Saboia e Frederico Machado. Se cada um desses conseguir levar adiante um novo projeto teremos o que ver e aplaudir. Para além do Boqueirão, em Alcântara, precisamos ouvir também o que o jornalista Claudio Farias tem a dizer. Da última vez que o visitei, me mostrou um belo projeto de vídeo e fotografia sobre a flora e fauna do mangue que cerca a cidade histórica.
No teatro lembro com alegria do belíssimo As Fiandeiras, com Gisele Vasconcelos, Renata Figueiredo e Rosa Ewerton, com direção de Igor Nascimento. Nota 10 para a peça As 10 Coisas que meu pai deveria ter ouvido antes de ir para a guerra, do grupo DRAO, texto, concepção e direção de Ivy Faladeli. Destaco também as produções de Marcelo Flexa e sua imensa Pequena Companhia de Teatro, muito bem acompanhado por Jorge Choairy e Claudio Marconcine. Este último, parceiro de Áurea Maranhão na coreografia apresentada na abertura da exposição Visões do Poema Sujo, do fotógrafo Márcio Vasconcelos. Ano que vem o trabalho chega a São Paulo. Márcio atuou em várias frentes. No final do ano lançou o belíssimo livro Zeladores de voduns – do Benin ao Maranhão, resultado de uma pesquisa sobre a atual situação de terreiros de tambor de mina e seus respectivos chefes no Benin e Maranhão. E parabéns ao grupo Teatrodança, de Julia Emília, que completou 30 anos em 2015!
Na área de cultura popular, além do lindo baile de sempre de alguns grupos de bumba-meu-boi e tambor de crioula, um viva enorme ao Mestre Amaral e sua oficina-palco aberta aos domingos e sempre. Palmas também para o lançamento de um livrão de Papete sobre os mestres do Boi e afins. Uma pena que a obra custe tão caro. Não seria o caso de vendê-lo mais barato, Papete, já que ele teve um patrocínio e tanto?
Mais música: saudações ruidosas a quatro grandes eventos que já fazem parte do calendário anual da cidade: O projeto BR135, que entupiu as praças da Praia Grande com shows, oficinas e palestras; O Festival de Jazz e Blues, sob a batuta do compositor Tutuca; o Festival Internacional de Contra-abaixo, que apesar da péssima divulgação é excelente; e por último, mas não menos importante, o lindo Festival de Música Barroca, que acontece em São Luís e Alcântara. Outra alegria foi poder ver de novo César Teixeira tocando, agora na gravação de seu primeiro DVD e o lançamento dos CDs de Joãozinho Ribeiro e da sambista Patativa, além do chorinho de Ricarte Almeida no Barulhinho Bom. Ah, o Barulhinho Bom, que vai fechar, uma perda imensa pra cidade. Mais música? Menos, por causa do vazio que sinto em ver dois artistas imensos fora dos palcos. Que 2016 traga de volta Sérgio Habibe e Chico Maranhão. Estarei na primeira fila.
O Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, continua sendo um local cuja programação contempla várias atividades na área de cinema, dança e teatro, mas pouco tem de literatura. Deixou de abrigar um importante projeto, o Café Literário, e não colocou nada em seu lugar. Ora, logo ele, um espaço que leva o nome de um importante poeta e jornalista como Odylo e tem uma sala batizada com o nome de outro grande poeta, Nauro Machado, além de uma biblioteca que homenageia Ferreira Gullar, não ter um evento de destaque de literatura demonstra falta de sensibilidade.
Um viva ao quadrado para a editora Pitomba, de Bruno Azevêdo, que lançou a obra mais importante do ano, O Livro de crítica, de Frederico José Correia, reeditada depois de mais de 130 anos. O trabalho dá um “pau” no mito do Pantheon Maranhense e desmascara parte da elite letrada do século 19. Outra editora que se mexeu e publicou foi a Resistência Cultural, que fechou o ano lançando o texto teatral Caras pretas, sobre personagens da Balaiada, de Igor Nascimento e sua Petite Mort.
Em 2015 perdemos Nauro Machado, mas continuamos produzindo boa e instigante poesia como Compulsão Agridoce, de Antonio Ailton, e os três primeiros números da série Cavalodada em Siga os sinais na brasa longa do haxixe, de Reuben da Rocha, além de livros de Josoaldo Rego, Diego Dourado, Dyl Pires e Samarone Marinho.
Nas artes plásticas, destaco a figura de Mondego, um dos personagens artistas mais interessantes de São Luís, pela obra que produz e pelo seu marcante movimento e andar nas ruas e becos da cidade. Parabéns também a Fernando Mendonça, que fechou o ano com uma bela retrospectiva celebrando seus 30 anos de arte. A exposição, em cartaz na Casa do Maranhão, tem trabalhos inéditos e vigorosos.
Entro na terceira lauda e a editora me avisa: Chega, Celso! Ordem cumprida, mas ainda peço tempo para gritar um bravo aos artistas que continuam vivos e inquietos. Não são muitos, mas são. Aos empresários, cujas empresas pagam muito ICMs, um alerta de que existe uma lei de incentivo à cultura, da qual eles podem se beneficiar.Ainda continuamos tendo que mendigar. E ao poder público, um puxão de orelha. Que deixe de ser como um grande animal, um elefante, talvez, (i)movendo-se acuado dentro de uma sala de apartamento de 44 metros quadrados. Quem o pariu que o embale.
Celso Borges – poeta e jornalista, autor de 11 livros de poesia
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