Já no curta-metragem Sírius, concebido aos 17 anos – “de criança para criança”, o cineasta Alê Abreu lembra que trabalhava com uma “ingenuidade muito bonita”. Era o caminho natural das lições de animação, no Museu da Imagem e do Som, iniciadas aos 12 anos. Agora, aos 44, Alê Abreu desponta no Oscar, candidato tido como zebra, com a animação O menino e o mundo. Sem meias-palavras, ele conta, ao Correio, que reaprendeu a desenhar com “a persona” inventada e assumida nos bastidores do filme. Meio “enjoado”, na incursão com o primeiro longa O garoto cósmico (2007), ele queria fazer outras coisas. “Diria que o filme aponta um final de fase ”, demarca, mas estavam lá as questões filosóficas e de política, num pano de fundo parecido com o de O menino e o mundo.
“Tudo partiu muito de mim”, diz o paulistano, sobre o resultado visual e o conceito que serviu de matriz para a equipe de animação do concorrente ao Oscar. Três anos e meio de suor valeram o esforço, na meta da obra formatada por um dogma: “Dizia a todos: ‘a tela do seu computador tem que ser vista como uma página de papel em branco – esqueça que a tela é de vidro. Trate como um papel sulfite, que permita colagem, folha amassada e expressão viva e rica”.
Vencedor do prêmio máximo em Annecy (festival francês referencial para animação), O menino e o mundo coloca Abreu, publicitário de formação, num plano de crítica à sociedade de consumo. No filme — com monumental emprego de ritmo, em narrativa, tão linda quanto singela –, um menino descobre o mundo. Pesa a conclusão de Alê Abreu: “Quando assisti a O planeta selvagem (de René Laloux), vi outro jeito de animação que não o da Disney, conferido em todas as férias. Havia abertura para a experimentação – queria entrar nesse campo, e brincar”.
Entrevista/ Alê Abreu
Concorrer ao Oscar junto com a Pixar, que acredito, pra você, seja“uma entidade”, fecha que cenário?
Sabe: acho que até temos chances de levar o Oscar se soubermos ser o Davi, no embate com Golias (a Pixar). Devemos tratar o filme O menino e o mundo na escala da imensa pequeneza que ele tem. Temos que saber tirar vantagem da intrusão que os americanos receberam com as indicações. Todos disseram: “Quem é esse aí (O menino e o mundo), na lista?”. Acho que temos chance, mesmo. Digo pela carreira internacional que o filme fez e pelo que ele é. Sabemos da existência do favorito (Divertida mente), mas há campo pra briga. O Indiewire (site de cinema) publicou: “Cuidado, Pixar, chegou a zebra do Oscar!”. E ainda linkaram a Pixar, no Face, para que tudo fosse lido.
Foi feita ação direta pela indicação do filme?
Procuramos fazer um buchicho, com o filme lançado em dezembro, nos Estados Unidos, mesmo com verba limitada. É como levantar voo num porta-aviões: se não levantar logo, cai. Torcemos para que o longa, com sua voz, subisse. Fiquei uma semana em Los Angeles e outra em Nova York, e vi que todos os jornais falaram bem do filme. O The New York Times publicou que éramos o Oustide in (o “improvável acolhido”, num trocadilho com o título original de Divertida mente). A crítica americana colocou o filme tão para cima que ficamos com 95% de aprovação num tradicional site de avaliações. Saímos com a indicação aos prêmios Annie (láurea californiana para animações).
Como tem sido a aceitação comercial, lá fora?
Chegamos pela Gkids, a maior distribuidora de cinema independente: entramos pela porta da frente – é a empresa que distribui filmes do Hayao Miyazaki (mestre do cinema japonês). No Brasil, foram quase 35 mil espectadores, no lançamento, mas voltará às telas. Foi muito menos do que eu esperava — aqui, no Brasil, há uma muralha a ser vencida. Nos Estados Unidos, entramos em 20 salas que já foram multiplicadas para 100. O menino chegou ao Oscar com a potência do azarão, e boto muita fé. O filme tem a força por si só e nunca dependeu de campanha de marketing. Um assiste, e fala pro outro: é dos filmes que, ou se ama, ou se odeia. Mas, no geral, tem sido amado.