Rebeca Oliveira

Projeto fotográfico evidencia tragédia no Rio Doce

Leonardo Merçon deixou de pagar as contas pessoais, alugou um barco e saiu de Vitória com destino a 10 cidades em Minas Gerais e Espírito Santo

Leonardo Merçon

As pessoas só protegem o que sabem que existe.” Com a sentença em mente, o fo­tógrafo de natureza e con­servação Leonardo Merçon deixou de pagar as contas pessoais, alugou um barco e saiu de Vitória com destino a 10 cidades em Minas Gerais e Espírito Santo. Merçon, que também é presi­dente do Instituto Últimos Refúgios, partiu de casa com um grupo composto por ele e mais duas pessoas. Ao longo de três semanas, registrou o antes e o depois da maior tragédia ambiental que abalou o país nos últimos meses: o rompimento das barragens da mi­neradora Samarco (Vale e BHP Billi­ton) em 5 de novembro, levando uma onda de caos por onde passaram as 62 milhões de toneladas de lama, que deixou pelo menos 13 mortos, uma dezena de desaparecidos e milhares de desabrigados. As viagens feitas por ele viraram o projeto fotográfico Lá­grimas do Rio Doce, que em breve será disponibilizado também em formato de documentário.

Até agora, Merçon fez duas expe­dições fotográficas. A primeira acon­teceu quatro dias após o rompimento das barragens, destruindo o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG). A priori, a previsão do grupo era acom­panhar a chegada da lama no Espírito Santo, onde vivem. Diante da demora inicial, o fotógrafo e equipe decidiram subir o Rio Doce de barco. Por um mo­mento, chegaram a pensar que a lama tinha se dissipado. Até chegarem a Go­vernador Valadares, um dos municípios mineiros mais atingidos pelos restos do acidente na mineradora. A bordo de uma embarcação simples, Merçon e os colegas registravam tudo que po­diam. Ele recorda: foi difícil fotogra­far com os olhos mareados diante da situação de desespero da população.
Expedição
Leonardo Merçon

O fotógrafo viu a cor da água do Rio Doce mudar de verde-esmeralda para um marrom sem vida. Peixes pulavam para fora da água, desespe­rados. Alguns pescadores colhiam os animais mortos e tentavam vender por mí­seros R$ 5 por quilo, para ga­rantir o sustento da família. As primeiras imagens foram visualizadas por mais de cin­co milhões de pessoas, o que ajudou o Instituto Últimos Refúgios a realizar a segunda expedição, quando acompa­nharam a chegada da lama tóxica no mar. A morte não se restringia a peixes. Capiva­ras, lontras, jacarés, cavalos e até aves também morreram. Pessoas também ficaram do­entes por beber a água pro­veniente do rio. A lama segue o curso do mar, e continua, diariamente, matando mais histórias. “Passei a prestar atenção nas comunidades. Quis mostrar o crime que es­tava sendo cometido, e não consegui dissociar os lados pessoal e emocional”, afirma o fotógrafo.

Uma das imagens mais icônicas tem nas lágrimas de um pescador uma síntese que viveram os ribeirinhos ao ver seu sustento se perder em litros de água avermelha­da e cheia de poluentes. Em Aimorés, em Minas Gerais, Benilde Madeira foi flagrado em uma das fotografias mais tocantes. Os olhos cheios d’água carregavam um misto de lamento e desespero. “Na­quele momento, ele falava sobre o filho dele, que havia perguntado sobre quando ele pescaria um dourado de novo no rio, e ele não sabia a resposta”, recorda Merçon. “Em todos os pescadores, percebi que não havia só tris­teza, mas raiva. Esse não é o primeiro problema que estão enfrentando. Eles já tinham dificuldades com os empreendimentos que usam os rios, como as hidrelétricas e outras empresas que o polui. E com o próprio governo e o defeso, que não havia sido pago”, acrescenta.
 

Leonardo Merçon

Duas perguntas//Leonardo Merçon

A Organização das Nações Unidas classificou as medidas tomadas pelo governo federal para conter o desastre inaceitáveis. Como testemunha ocular da tragédia, acredita que houve negligência?
É inaceitável a postura defensiva das empre­sas responsáveis e do governo. A primeira coisa que eles deveriam ter feito, independentemente de quem fosse a culpa, era mitigar aquilo, conter os estragos. Gastou-se muito tempo tentando achar culpados em vez de resol­ver. A barragem e a responsabilidade era deles. Em algu­mas cidades, pessoas ficaram em situações desumanas. Teve uma cidade chamada Galileia, em Minas, onde fo­mos fazer doação de água. Eles estavam há uma semana sem água. Muita gente estava doente, com diarreia, por­que as pessoas tentaram filtrar a água do Rio, de chuva, e de outras fontes duvidosas.
A instabilidade política em que vive o país atrapa­lha na contenção e resolução das consequências do desastre em Mariana?
O país vive uma crise econômica, ambiental e políti­ca desde antes da catástrofe. Muitos crimes ambientais têm sido cometidos, principalmente na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado, que têm sido devastados. Essa dificuldade de lidar com a tragédia do Rio Doce é só um reflexo do que tem sido feito nos últimos anos em nosso país. Isso é evidenciado por inúmeros ati­tudes, como desmantelamento do Código Florestal. A população também está distante do meio ambiente e se blindando dentro da bolha da cidade. É como se a natureza não fizesse mais parte da vida delas. Quem vai querer proteger o que não faz parte da vida delas? Elas acham que essas consequências ambientais es­tão distantes, só percebem quando está mais quente e gastam mais dinheiro por causa do ar-condicionado.
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