No delicado universo musical e poético do paraense Vital Lima, o amor anda pisando em pedras de lioz, o coração apaixonado cheira feito benjoim, reconstrói escombros e paixões, enquanto a chama de um beijo faz a gente tocar realejo. Mas também há espaço para um haicai, um hit, um amor em post it. Em Belém ou em Beirute. Entre o tapete de Aladim, o cometa Halley e uma cantata de Handel, ele apresenta 14 das 70 composições que andou fazendo nos 10 anos em que esteve ausente dos estúdios no disco O que não tem fim.
Parceiro histórico de Hermínio Bello de Carvalho, com quem burilou o histórico LP Pastores da noite, em 1978, Vital celebra seus 60 anos de vida e 40 de carreira, contados a partir do 1º Festival de Música e Poesia Universitária, de 1974, quando a também estreante Fafá de Belém defendeu uma de suas músicas. E Hermínio, que estava no júri, selecionou a canção Rock´n´roll para compor o repertório do histórico show Te pego pela palavra, de Marlene.
Componente da banda MPB da música paraense, hoje mais conhecida pelo tecnobrega que a própria Fafá adotou em seu disco mais recente, o compositor tem músicas gravadas por Lucinha Lins, Simone, Elizeth Cardoso, Zé Renato e até padre Fábio de Melo, além de Patrícia Bastos e Ninah Jo, representantes da nova cena que participam do disco ao lado de Leila Pinheiro e de Nilson Chaves, parceiro do disco Interior (1986), do LP Waldemar (1994), dedicado à obra de Waldemar Henriques, e do DVD Sina de ciganos (2011). E, claro, não poderia faltar o padrinho Hermínio, que recita, numa faixa, seu poema épico Enunciação, transformado em canção no encerramento do álbum.
Gravado no Rio de Janeiro, entre maio e outubro do ano passado, com uma banda-base em que se destacam o baixo de Ney Conceição, os sopros de David Ganc e Antonio Augusto e os teclados de Fernando Merlino, O que não tem fim canta o mais tradicional dos temas, o amor, em formatos que vão da canção à la Dori Caymmi (Crisálida) a flertes com sonoridades espanholas (A vida do nosso amor) e medievais (Sobreviventes), com direito a boleros climáticos (Uma outra manhã e Pedras de lioz) e baladas boas para trilhas de novelas (O parkour, O grou).
O estilo tradicional da música de Vital pode não estar na moda, mas respeita e segue com coerência uma tradição da música brasileira que, na maior parte dos novos lançamentos, anda cada vez mais rara. Para o bem e para o mal, um trabalho que não procura ser fácil nem espetaculoso. Um exercício de maturidade.