Cannes, 2002. Monica Bellucci é estuprada por intermináveis dez minutos na tela do cinema. A plateia reagiu. Houve quem desmaiasse; houve quem abandonasse a projeção. Cannes, 2015. Em close, um pênis aguarda, lentamente, a hora da ejaculação. Em 3D. A plateia, novamente, reagiu. Houve quem aplaudisse; houve quem vaiasse.
O cineasta franco-argentino Gaspar Noé vem construindo sua carreira por meio de polêmicas. Muitos o defendem desde ‘Irreversível’, lançado 13 anos atrás no evento francês. Outros tantos também o criticam, o que não diminuiu a curiosidade em torno de seu novo longa-metragem, ‘Love’.
Exibido em maio, fora de competição, no mais prestigioso festival do mundo, foi o filme que mais levou gente à sala do cinema. ‘Love’ estreia no Brasil nesta quinta-feira. Anteontem à noite, Dia do Sexo, houve pré-estreia em 45 salas de todo o país. Na sala 1 do Cine Ponteio, na sessão assistida pelo Estado de Minas, apenas quatro das 50 poltronas estavam desocupadas. Uma exibição absolutamente atenta e silenciosa, mesmo com as duas horas e 14 minutos de duração do filme. Se houve reação, apenas risos discretos aqui e ali numa cena que envolve um travesti.
Noé, de 51 anos, explicou que a opção do 3D ocorreu para permitir ao espectador “um maior sentimento de identificação com o personagem principal e seu estado melancólico”. A indústria pornô já descobriu o 3D há algum tempo, então a “novidade” vai atiçar é o público do circuito de arte. E a despeito da declaração do diretor, depois de incansáveis cenas de sexo – a dois, a três, a quatro, a sabe-se lá quantas pessoas –, o recurso não acrescenta muito ao longa.
‘Love’ trata das reminiscências de um estudante de cinema – Murphy, papel de Karl Glusman –, um norte-americano que vive em Paris. No dia seguinte ao ano-novo, ele acorda de ressaca e recebe o telefonema de mãe de Electra (Aomi Muyock, também doidinha e fatal como a Béatrice Dalle do saudoso Betty Blue), preocupada com o desaparecimento da filha.
Murphy, hoje casado com uma mulher de quem não gosta – Omi (Klara Kristin) – e com um filho pequeno, Gaspar, tenta entender como sua vida chegou até aquele ponto. Por meio de flashbacks, ele relembra o conturbado relacionamento com Electra, em que o amor era traduzido pelo sexo.
O que se vê é a crônica de um amor perdido. Entre uma lembrança e outra, cenas tórridas de sexo. Algumas filmadas de maneira ginecológica, não permitindo nada à imaginação. Mas a beleza plástica é indiscutível. O ménage à trois com Murphy, Electra e Omi é o ponto alto das cenas, com corpos quase dançando (a trilha das cenas de sexo inclui Erik Satie, Bach e Brian Eno), é uma orgia para os olhos, com corpos perfeitos coreografados sob uma luz impecável.
O problema de Noé é a pretensão. Seus diálogos “existenciais” são chochos, assim como a falta de empatia do protagonista. O Murphy de Karl Glusman gera uma repulsa imediata. Trai Electra sem pensar duas vezes, mas enche-se de uma fúria sem precedentes quando ela participa de uma orgia num clube de swing (afinal, não era para isto que o casal estava lá?).
Conservadorismo Jean Thomas Bernardini, presidente da distribuidora Imovision, acreditou que conseguiria promover a ação em pelo menos 200 salas.“Os maiores exibidores, Severiano Ribeiro e Cinemark, que são superconservadores, na última hora falaram que não fariam a pré-estreia. Infelizmente, está acontecendo o mesmo problema de ‘Azul é a cor mais quente’. Quando o filme tem muito sexo, o pessoal cai fora”, diz ele, que vai lançar ‘Love’ em pelo menos 50 salas.
Assista ao trailer de ‘Love’: