FORMULA 1
Fernando Alonso colhe o que plantou
Com uma carreira em que manifestou talento e caráter inversamente proporcionais, o espanhol queima seus últimos cartuchos para tentar voltar ao topo.
Desde a primeira aposentadoria de Michael Schumacher, em 2006, que Fernando Alonso é unanimemente considerado o melhor e mais completo piloto do mundial. Apoiado por este reconhecimento, o espanhol se deu ao luxo de fazer apostas demais em sua carreira. Não foram apostas comuns. Arrogante, o espanhol queimou pontes e fez inimigos por onde passou, permitindo que sua “trairagem” fechasse as portas que seu talento havia mantido abertas.
Em 2007, ofendido pela falta de respeito da McLaren pela sua condição “evidente” de primeiro piloto, ele aproveitou várias oportunidades para sabotar seu companheiro de equipe (o então estreante Lewis Hamilton), culminando com um divorcio em que ele chegou a denunciar seus empregadores num escandaloso caso de espionagem. Voltou para a Renault apenas para esperar uma vaga na Ferrari, equipe que estava de olho nele e que havia sido a principal beneficiária de suas inconfidências. Foram dois anos de grandes demonstrações de talento ao volante obscurecidas pela sua polêmica participação na manipulação de resultados do GP de Cingapura de 2008 _ vencido por ele graças à simulação de um acidente protagonizada por Nelsinho Piquet, seu então companheiro de equipe por ordem do chefe, Flávio Briatore.
Na Ferrari foram três vice-campeonatos em cinco anos, ao longo dos quais ele compensou no braço a decrescente competitividade dos carros italianos. Ele traiu os torcedores, a equipe, seus funcionários e cartolas (que o idolatravam) falando mal da orgulhosa equipe e se oferecendo abertamente para quem tivesse o melhor equipamento da ocasião. Transcende a ironia o fato de a Ferrari estar recuperando competitividade logo depois do terremoto provocado pela sua saída.
O abraço dos afogados
Curiosamente, apenas a McLaren, envolta com seus próprios demônios, ofereceu um assento ao espanhol. De volta à equipe de Ron Dennis, Alonso tenta mais um recomeço aos 34 anos, em uma aposta recíproca com a equipe e a Honda. A equipe que o espanhol mais prejudicou lhe estendeu a mão interesseira por saber que ele é uma certeza de qualidade técnica num conjunto que inclui os fraquíssimos motores Honda, que voltam para a Formula 1 sem manifestar uma fração da força com que já dominaram a categoria mais de uma vez no passado.
Depois de um acidente obscuro na pré-temporada, do qual ele teria sido resgatado falando italiano e com suposta perda de memória, sua estreia foi adiada em uma prova. O 2015 do conjunto Alonso/McLaren está sendo pavoroso. Com 11 pontos em 10 etapas, o bicampeão vem sendo mais notado por episódios que devem entrar para o folclore da categoria, como voltar para os boxes empurrando o carro na Hungria ou rechaçar ordens de rádio para poupar o carro no Canadá, dando a entender que se recusaria a pilotar daquela maneira apenas para se arrastar até o final da prova. Mesmo assim, tolhida pelas limitações que as regras atuais impõem aos testes e ao desenvolvimento do equipamento, o carro vem melhorando lentamente e é de se esperar que alguém cometa um haraquiri em Tóquio se a Honda não entregar mais potência até o final do ano.
Como era de se esperar, Alonso se destacou bem de seu companheiro de equipe, Jenson Button, o simpático campeão de 2009. A pergunta é se ele entendeu que está é, muito provavelmente, a sua última cartada e se vai conseguir controlar a sua natureza egoísta e, finalmente, vestir a camisa do time. Será que, diante da ameaça de um ocaso eminente e sem novas conquistas, o espanhol vai conseguir fazer com que seu talento reconhecido se traduza num sonhado tricampeonato? Quem viver verá. O calvário de 2015 é apenas o começo do fim.
VER COMENTÁRIOS