BOXE
A luta contra o esquecimento: um perfil de Luciano Todo Duro
Ícone do boxe brasileiro da década de 1990, Todo Duro voltou aos holofotes com vitória sobre eterno rival, Reginaldo Holyfield. Não se sabe até quando
Exausto, Luciano Todo Duro mal conseguia conectar ideias e palavras. Respondia automaticamente às perguntas e aos pedidos de fotos. O assédio foi grande após o anúncio da vitória sobre Reginaldo Holyfield, na última terça-feira, no Clube Português. Imprensa, fãs, parentes que apareceram tão de repente quanto saíram da sua vida há tantos anos. Ao redor do ringue, o público que lotou o salão principal, vibrava. As sensações do passado voltaram à tona naquela hora. “Ouvindo tudo aquilo, me senti poderoso”, revelou.
Uma hora antes de entrar no ringue, sentado numa cadeira em seu vestiário, Todo Duro repetia um ritual que não vivia há mais de dez anos. Um de seus treinadores, paciente, colocava as ataduras em suas mãos. Já de short, sem camisa, não mostrava nervosismo. Conversava com as filhas, dava entrevistas. O aquecimento foi rápido. A hora da luta se aproximava e ele aguardava, já deitado no sofá. “Estava com saudade disso”, comentou.
Personagem importante do boxe de Pernambuco na década de 1990, Todo Duro foi, aos poucos, caindo no esquecimento. Voltou à tona em 2011, quando foi protagonista de um documentário que tratava também dos seus históricos confrontos com Holyfield. O pernambucano sempre foi um prato cheio para a mídia. Assumia um personagem perfeito para qualquer matéria. Assim, garantia público para suas lutas. “Se eu vou lutar com um camarada, observo ele. Levo caixão, coroa de flor, falo da esposa dele. Faço o que poucos fazem. Mas tem que ter coragem para fazer”, afirmou, descansado e sem o assédio, dois dias depois da luta, já em casa.
Foi alimentado pela rivalidade criada entre Todo Duro e Holyfield que o confronto da última terça-feira teve força. E apesar da fórmula utilizada pelo pernambucano para promover a luta ser a mesma de sempre (caixão + coroa de flores provocação com a mulher do adversário), funcionou. A explicação talvez seja o público alvo. Grande parte das pessoas apenas escutou ou viu em vídeo os episódios envolvendo os dois. A vontade era ver tudo isso ao vivo. Afinal, o que explicaria o salão principal do clube Português lotado por cinco mil pessoas para assistir a uma luta de boxe entre dois senhores de 49 e 50 anos? Como ficou claro após a luta, não foi pelo espetáculo esportivo. Todo Duro venceu o combate por pontos e tem a vantagem sobre Holyfield. Agora, tenta estender o quanto pode a repercussão dele. Empolgado, quer a luta de volta, em Salvador. Até admite que gosta do baiano. “Eu gosto dele, só não confio”, ressalta, revelando uma contradição. “Não gosto de violência. Luto pelo dinheiro”.
Todo Duro mostrou saber que, efetivamente, pouca coisa deve mudar na sua vida, mesmo com o recente retorno à mídia. Não conta quanto, mas ganhou algum dinheiro com o combate e revelou que recebe, até hoje, ajuda de pessoas que conheceu no início da carreira. É assim que se mantém e sobrevive com a família, a quem mostra ter bastante apego. Na ocasião, estava em sua casa, em uma comunidade no bairro de Casa Forte, com duas filhas, Sheila, 22, e Luana, 16, que o acompanharam no dia da luta. Deu entrevista agarrado com dois sobrinhos, que diz ser seus filhos – um deles é o mesmo que ficou em seus braços na hora do anúncio do vencedor da luta, na terça-feira.
Assim como sabe cativar os holofotes, Todo Duro garante que também sabe viver sem eles. E diz estar preparado caso seja esquecido pela mídia novamente. “Isso faz parte da vida. Você vê um ator mesmo, faz uma, duas ou três novelas e depois… Não tenho medo não. Vim de baixo, subi, desci, agora subi de novo e estou no meio. Vou continuar levando minha vida, brincando com meus sobrinhos e vivendo com minhas filhas”, afirma.
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