O LEGADO

Após Cannes, especialistas analisam tendências para a temporada no cinema

Carente de experimentações linguísticas transgressoras, as maiores mostras de filmes do mundo optam por celebrar tramas sociais ligadas à inclusão

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Imersa em especulações para saber qual filme vai abrir o Festival de Veneza 2015 (2 a 12 de setembro), atiçada pelo boato de que esta tarefa caberá a Ponte de espiões, de Steven Spielberg, a indústria do audiovisual encontra-se debruçada neste momento sobre as novas proposições artísticas abertas por um outro festival (aliás, o mais prestigiado de todos), o de Cannes, encerrado duas semanas atrás com saldos valiosos para a linguagem e a narrativa do cinema.

A Palma de Ouro dada ao francês Dheepan, de Jacques Audiard, jogou holofotes sobre o atual comichão cinematográfico, já levantado no Festival de Berlim, em fevereiro, com a vitória de Táxi, do iraniano Jafar Panahi: carente de experimentações linguísticas transgressoras, as maiores mostras de filmes do mundo optam por celebrar tramas sociais ligadas à inclusão.
“Não se viu neste ano, nem em Roterdã, nem Berlim nem em Cannes, para citar os grande festivais de cinema do mundo, filmes capazes de reinventar narrativas, nos moldes como Alain Resnais fez nos anos 1960 ou como Tarantino fez nos anos 1990. Mas vimos filmes com vocação de espetáculo. A principal tendência que vimos aqui em Cannes foi o esforço bélico do cinema em fazer filmes “para o cinema”, ou seja, longas-metragens que usem toda a tecnologia do audiviosual para construir planos requintados e movimentos de câmera inusitados”, avaliou o veterano crítico francês Michel Ciment, em depoimento ao Correio.
Dilemas
Agraciado com o Grande Prêmio do Júri e o Prêmio da Crítica, enquanto disputava a Palma dourada cannoise, o drama de guerra Saul’s son, do húngaro László Nemes, virou a sensação do festival francês por sua engenharia ousada para reconstituir a violência dos campos de concentração. Sua engenhosidade vem da maneira como a câmera gruda no corpo do protagonista, potencializando cada gesto dele nas dimensões agigantadas da telona do Palais des Festivals. Após a exibição do longa de Nemes, a grande pergunta que se fez foi: “Como é possível ver um filme como esse fora da sala de projeção, pois essa destreza de câmera se perde numa telinha?”.
Essa mesma pergunta foi usada tanto para produções mais intimistas vindas do Oriente, como foi The Assassin, do sino-taiwanês Hou Hsiao-Hsien, ou Doce de feijão, da japonesa Naomi Kawase, quanto para pipocas autorais turbinadas por Hollywood, como Mad Max: Estrada da fúria, do australiano George Miller, que virou o filme de maior boca a boca do momento.
“Frente às transformações recentes pelas quais a imagem passou, com diferentes suportes digitais de consumo de dramaturgia, a única resposta que o cinema pode dar é apresentar narrativas capazes de impactar todos os sentidos de seus espectadores pela grandiosidade da tela, pela força do som. É uma volta ao que Fellini fazia à sua época: filmes que se impõem pela sensorialidade”, disse George Miller na Croisette, momentos antes da exibição do novo Mad Max. O diferencial do cinema ainda é sua habilidade de encontrar formas de espetacularizar o real com menos palavras e mais arrojo no enquadramento.
Qualidade
Premiados ou não, os filmes que mais se destacaram nos grandes festivais de 2015, viessem de Cannes ou de Berlim, foram aqueles com mais habilidade de transcender seus enredos e sua vocação narrativa (a preocupação em contar histórias) e falar com o público a partir de uma suntuosidade na fotografia e na cenografia superiores ao que a TV e canais na web fazem.
Foi o caso de produções latino-americanas vistas na Berlinale, como El botón de nácar, do chileno Patricio Guzmán, ou Ixcanul, do guatemalteco Jayro Bustamante, ou mesmo de El abrazo de la serpiente, do colombiano Ciro Guerra, uma viagem em preto e branco ao coração da Amazônia que arrebatou prêmios da Quinzena dos Realizadores de Cannes. Não por acaso o filme mais polêmico da Croisette este ano, Youth, do italiano Paolo Sorrentino, trazia uma ironia explícita com a televisão dita pela diva Jane Fonda.
“Toda a competição de Cannes deste ano foi marcada por um virtuosismo forçado. Os filmes mais falados frisavam a autoridade do cinema pela forma”, avalia um dos principais críticos de Portugal, Vasco Câmara, editor do caderno Ípsilon do jornal Público.
Coproduções
Mas nem só de especulações estéticas viveu Cannes. Houve também tendências de mercado, em especial a proliferação das coproduções internacionais. Antes, esta era uma tendência mais comum a países europeus, que financiavam em parceria muitos projetos europeus e asiáticos. Mas, este ano, o festival francês viu conexões latinas entre países como Brasil, Argentina e Colômbia renderem projetos de sucesso, como o premiadíssimo Paulina, de Santiago Mitre, gestado em Buenos Aires.
Outra tendência que vem crescendo é a da busca pelo exotismo culturais não em produções asiáticas ou africanas, mas sim em enredos vindos de locais do Velho Mundo com pouca tradição cinematográfica. O melhor exemplo foi a comédia dramática Rams, de Grímur Hákonarson, vinda da Islândia para ganhar o prêmio principal da mostra Un Certain Regard. Cannes quis mostrar que a estranheza pode vir de países vizinhos de continente. E, em sua triagem de novidades, a Croisette provou que o cinema ainda tem muito o que contar…
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