VIOLÊNCIA
Jovens negros estão mais vulneráveis aos diversos tipos de violência
O fator racial ainda é preponderante ao se analisar o risco de uma pessoa ser assassinada no Brasil
O risco de um jovem entre 12 e 29 anos ser assassinado no Brasil é 2,5 vezes maior se ele for negro. A diferença é ainda maior em algumas unidades da Federação, como no Distrito Federal, onde chega a 6,5 vezes. Os dados são parte de relatório produzido pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública. As taxas de homicídio são um dos elementos que compõem o Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ), lançado ontem. O trabalho mostra que jovens negros são os mais afetados e vulneráveis à violência, de forma geral.
No Brasil, o que chama mais atenção é que, quando se exclui o fator racial, há uma melhora de 9,8% na vulnerabilidade de jovens. É o resultado mais expressivo no país. A unidade da Federação também é destaque na melhora de frequência à escola e situação de emprego, que reduziu 71% entre 2007 e 2012, atingindo 0,097. O indicador inclui três subindicadores com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e do Censo Demográfico. “O Distrito Federal acumula bons indicadores sociais, acima da média do país, mas, quando se aprofunda o olhar, o jovem negro está muito exposto”, explica Samira Bueno, diretora executiva do Fórum.
O rapper Ricardo Santos, 29 anos, é parte dessa realidade. Hoje faz um mês que um amigo próximo foi vítima de homicídio em Ceilândia. A morte de Cristiano Alves da Silva, 24, ocorreu em uma padaria, por volta das 20h. De acordo com Ricardo, o dono do estabelecimento estava embriagado e atirou três vezes contra Cristiano. Poucos minutos depois, o suspeito fugiu, e os moradores da região, ao se reunirem para protestar contra a violência, foram repreendidos com spray de pimenta e balas de borracha. “A polícia, em vez de ir atrás do assassino, estava atrás da gente”, diz o rapper. O suspeito chegou a ser detido, mas foi liberado depois.
“Toda a comunidade se comoveu”, conta. O episódio serviu de motivação para criar o movimento CI Viva, que promove shows de rap e palestras e leva brinquedos para crianças da comunidade. O objetivo é tentar sanar a deficiência de opções de lazer e cultura e evitar a repetição de casos como o de Cristiano. “Tem que acabar com o extermínio do negro na periferia. Vamos para a rua. Estamos na luta, e o movimento vai ficar cada vez mais forte”, afirma Ricardo.
A falta de segurança e de lazer também é sentida pela funcionária pública Santa Alves, 55 anos, presidente da União de Negros pela Igualdade (Unegro), moradora de Sobradinho II. “Nos locais onde há skate parque, precisa ter mais segurança, porque é onde os meninos brincam à noite”, diz. O filho dela, Bruno Alves, 27 anos, foi morto voltando para casa, em 29 de março. “Ele caminhava com amigos quando foi ferido com uma faca no pescoço”, conta.
Integração
De acordo com Samira Bueno, do Fórum de Segurança, a inovação do indicador é agregar diversos fatores, como frequência escolar, situação de emprego e pobreza. Isso permitirá identificar a relação entre as áreas a fim de desenvolver políticas públicas adequadas para cada região. Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), essa articulação é determinante quando se fala de juventude. “Precisamos desenhar políticas claras e também alertar a sociedade para qual projeto de nação nós queremos, porque o cenário hoje, de discutir a redução da maioridade penal e de rediscutir o estatuto do desarmamento, nos aponta para um quadro extremamente alarmante”, afirma Marlova Noleto, diretora da Área Programática da Unesco.
Especialistas ouvidos pela comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que discute a violência de jovens negros também destacam a importância de pensar de forma abrangente. “O perfil desse jovem (vítima de violência) é o mesmo daquele que evade do ensino médio, do que é filho de mães que sustentam a família sozinhas”, alerta o professor Dennis de Oliveira, do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro, da Universidade de São Paulo (USP). Ele também destaca a importância de mudança na atuação policial. “A relação atual da força de segurança é de agressão, não de proteção”, completa.
Para Átila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional, é preciso reconhecer que o assassinato de jovens não é algo natural. “O preconceito e a percepção social sobre a pobreza, a juventude e o racismo se articulam de forma perversa, criando vidas que valem mais do que outras. É como se a vida de um jovem negro, sem camisa, pobre, de chinelo, morador de uma favela valesse menos do que a de um jovem branco, rico, morador de uma área nobre da cidade”, afirma. A entidade lançou, em novembro, a campanha Jovem Negro Vivo, em que destaca dados do Mapa da Violência de 2012. Eles indicam que, das 56 mil pessoas assassinadas no Brasil, 30 mil eram jovens entre 15 e 29 anos. Desse total, 77% são negros.
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