ENTREVISTA

Embaixador de Pernambuco ,Roger de Renor, fala do cenário cultural brasileiro

Roger de Renor fala do cenário cultural brasileiro, a cena pernambucano, além de reflexões a função da política da música

Embaixador de Pernambuco
 
 
São 51 anos e mais de três décadas dedicadas às artes. A história de Roger de Renor se confunde com a trajetória da cultura de Pernambuco. Ele já trabalhou em gravadora, sendo responsável pela divulgações de artistas do catálogo; foi dançarino do balé popular do Recife e dono do bar Soparia, um dos principais redutos do movimento manguebeat. Lá, se reuniam os integrantes das bandas Mundo Livre S/A e Chico Science & Nação Zumbi, entre outros. Roger falou sobre a carreira e os novos nomes da música pernambucana e fez reflexões sobre o cenário atual da cultura brasileira. “A função política da música é ser a voz do artista onde a informação e a dor da cidade é censurada”, destaca.
Há quanto tempo você está trabalha com cultura?
“Eu nunca trabalhei não (risos). Digo isso porque faço com prazer. Sempre estive envolvido com música e cultura. Atuei no teatro e fui divulgador de rádio, representante de gravadora e dançarino do balé popular do Recife. Também criei um bar, o Soparia, que se transformou num espaço cultural. Tinha música, teatro e poesia todos os dias da semana”.
A projeção nacional veio com o Som na Rural. Como nasceu o projeto?
“Em Recife, existe a TV Viva. Em um dos parceiros dessa tevê comunitária havia uma rural (carro, do modelo Ford), porém não tinha como mantê-la. Percebemos que aquele modelo de veículo estava na trajetória de várias pessoas e decidimos fazer um programa para que público contasse histórias relacionadas à rural. Fomos aceitos no edital de uma televisão pública e rodamos Pernambuco, Paraíba e Ceará. A gente batia um papo dentro do carro e, ao redor, as bandas se apresentavam”.
Na televisão, o projeto acabou na segunda temporada. Depois de algum tempo parados, vocês voltaram…
“Queríamos fazer algo sem precisar da tevê. Deixamos de ser um programa de rua, em que as pessoas assistiam, para ser um evento em que o público participe, sem se preocupar com as gravações. Hoje, o som da rua faz parte do nosso projeto que, ocasionalmente, pode ser filmado também”.
Como funciona o Som na Rural?
“Vamos para a rua e apresento as bandas. Quem quer, declama poesias. O nosso propósito é ocupar a rua, um espaço que, normalmente, não tem mais esse tipo de função e tornou-se uma opção desaconselhável. Muita gente acredita que está protegida assistindo a um show num lugar fechado, no frontstage ou nos camarotes. É mentira! Seguro é estar na rua, com a multidão cantando e dançando. Quem oferece segurança nas ruas são as pessoas. Usamos a música como plataforma para reocupação desses espaços com cultura”.
Porém, reocupar esses espaços não é fácil. Vocês enfrentaram alguns problemas…
“Certa vez, a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano da Prefeitura do Recife interpretou que não tínhamos licença para parar. Que éramos um carro em cima da calçada. Argumentamos que era um palco, mas não adiantou. Na semana seguinte, voltamos e o público era ainda maior. Esse acontecimento foi a nossa maior propaganda. Aí, a prefeitura teve que reconhecer o que a cidade já sabia: o Som na Rural é uma ação política. Fazemos política sem partido”.
Qual é a relação dessas ações políticas com o movimento Ocupe Estelita?
“Íamos para fazer a base do som, como difusora mesmo, pois o movimento sempre foi colaborativo. Foram pouquíssimos os veículos de comunicação do Recife que noticiaram a ocupação. Mas as coisas mudaram quando tivemos a ideia de fazer o Som na Rural lá e levamos Karina Buhr, Otto, Criolo, Devotos e Lia de Itamaracá. Juntamos mais 6 mil pessoas. Ali, eles tiveram que anunicar: “Terá Otto com o Som da Rural no Espaço Cultural Ocupe Estelita”. A função política da música é ser a voz do artista onde a informação e a dor da cidade é censurada. Quando isso acontece, a música vai lá pela voz do artista que denuncia e chama a atenção. A gente cumpre essa função”.
O Brasil conheceu seu rosto quando o Som da Rural foi para a televisão. Mas o seu nome já é conhecido há muito tempo, por causa da música Macó, de Chico Science, que diz: “Cadê Roger, cadê Roger?”. Qual a história por trás da composição?
“No início dos anos 1990, eu tinha um bar no Pina um bairro boêmio de Recife. Chamava-se Soparia. As pessoas iam para lá antes e depois dos shows. Outras desistiam de ir para o show e ficavam lá, esperando a outra metade voltar das apresentações. Era um lugar de virar a noite. A gente ficava lá até sete da manhã. E o Soparia pegou o início do movimento manguebeat. Na programação, havia bandas de segunda a segunda. De jazz a punk rock. Ao chegar no bar, as pessoas sempre perguntavam: “Cadê Roger? Roger está aí?”. Chico Science e a Nação Zumbi iam lá depois dos shows. Chico observava todo o movimento e reparou que sempre falavam essa frase”.
Pernambuco é um caldeirão cultural. Atualmente, há outras pessoas que pensam a cultura do estado de uma forma tão sagaz, como Chico Science fazia?
“É difícil, não dá para saber. Chico morreu muito cedo e foi uma perda brutal. Às vezes, a gente fica dependendo da quantidade de cerveja para saber qual tipo de som estaríamos fazendo agora. E a gente tem várias pistas, inclusive pelo som que a Nação Zumbi faz hoje, que é muito coerente. Pelo o que o DJ Dolores vem construindo. Ele está com um projeto, o Frevoton, com o Maestro Spok e o Yuri Queiroga, guitarrista de um monte de artistas em Recife. O amadurecimento dos novos músicos é constante. Acho que Chico é uma razão disso. Claro que o tempo, a história dos recusos tecnológicos, o fim das gravadoras e o surgimento das redes sociais ajudaram muito a unir o Brasil”.
Como assim?
“Nós éramos inimigos porque as gravadoras diziam que certos produtos eram da Bahia ou de Pernambuco, por exemplo. Hoje em dia, existe uma música brasileira. E a gente se conhece como música brasileira. Karina Buhr faz sucesso com uma música que o refrão é o “T” (Eu menti pra você). E as pessoas de outros estados acham isso f…. E eu gosto de ouvir a criolina de São Luís do Maranhão porque eu identifico o sotaque deles do mesmo jeito que eu gostava de ouvir o Ira! cantando “Eu tentei fugir…”. Eu cantava como paulistas. Hoje, a gente admira essa diversidade”.
Os artistas de Recife também são muito articulados…
“Lá em Recife tem uma galera muito boa. Chico deixou um legado: eles não procuram mais o sucesso, querem êxito. São artistas que querem viver do próprio trabalho. Eles querem viver da música, sem precisar de dois empregos. Não precisam ser mais contratados pela gravadora, nem ir para o Faustão. Só precisa apostar na hora certa. Acho que Chico foi muito importante para isso: ele chegou justamente na mesma época das novas tecnologias e da falência das gravadoras. Tem uma galera lá muito boa”.
Para você, quem são os destaques da música?
“Posso falar da turma velha que pra mim ainda é nova: Siba, DJ Dolores, Academia da Berlinda, Orquestra Contemporânea de Olinda, maestro Spok, Mundo Livre S/A e Isaar. Sem falar da Nação Zumbi, com esse último disco que é incrível. Tem a galera da Zona da Mata que está chegando, como o Anderson e o Mestre Barachinha, que são pops. Eles fazem desafio de sambada de maracatu pelas páginas do Facebook! As músicas de ciranda deles são lindas. E também há a galera mais nova, que admiro muito: Juvenil Silva, Dunas do Barato, Aninha Martins, Johnny Hooker, Tibério Azul e Ylana Queiroga”.
Como você enxerga o cenário da cultura brasileira, politicamente falando?
“Quando tem uma crise em casa a primeira coisa que corta é o cinema e o teatro dos meninos. Isso não devia acontecer na casa de ninguém. Cultura é necessidade básica. A cultura e a comunicação são marginais no Brasil. Uma política de cultura nunca conseguiu ser trabalhada. No máximo, trabalham-se ações culturais”.
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