Entre todas as estrelas internacionais que desfilaram na abertura do 68º Festival de Cannes, na última quarta-feira, poucas movimentam mais investimentos de Hollywood do que a sul-africana Charlize Theron, estrela-guia de Mad Max: Estrada da fúria. Ter um Oscar de melhor atriz no currículo, conquistado em 2004 por Monster: Desejo assassino, é apenas um detalhe luxuoso se comparado à habilidade de a loura arrastar multidões às salas de exibição, mesmo quando esconde as curvas em papéis abrutalhados.
Imperatriz Furiosa — sua personagem no novo capítulo da franquia originalmente estrelada por Mel Gibson (trocado por Tom Hardy) — é uma prova do charme de machona que ela gosta de dar a figuras assombradas pela rudeza. “Foi muito difícil acreditar que eu estaria em Mad Max não por se tratar de uma trama ambientada em uma realidade futurista onde a testosterona reina, mas pelo fato de que eu cresci, na África do Sul, assistindo àquela franquia na tevê. Quando pisei no set, voltei ao passado, à adolescência”, diz Charlize.
Na fase de escalação de atores para Mad Max, George Miller convidou Charlize pela experiência dela como bailarina, antes de seus tempos de modelo e da fase de atriz. Ela chegou às passarelas aos 14 anos e desfilou até os 20. Até hoje, empresta seu rosto a marcas famosas, como a grife Dior. Credenciais que seduziram Miller.
“O novo Mad Max é um filme de muita exigência física, no qual eu uso mais os músculos dos atores do que a habilidade que eles têm para decorar diálogos. Precisava de uma atriz com a disciplina do balé, coisa que Charlize tem de sobra”, disse o cineasta, em Cannes. Para Charlize, viver uma espécie de valquíria maneta (com punho metálico) era uma oportunidade de desafiar convenções.
“Eu não acredito muito na ideia de heroísmo. Acredito que existem pessoas com poder de liderança e com disposição para se doar em prol dos outros, não importa o perigo que possa correr. O mundo de Mad Max torce toda a ideia clássica de herói, em prol de um conceito de sobrevivência. É sobre isso que o filme de Miller fala: estratégias para sobreviver, seja na solidão, seja com a mão estendida para alguém. Furiosa, a minha personagem, vem desafiar a solidão de Max”, destaca Charlize.
Haja ferramentas
“É um erro passar por um filme sem tentar entender a gramática de um cineasta, pois, ao captar como um diretor pensa, você adquire novas ferramentas estéticas para entender o mundo e para redesenhar sua própria profissão. A cada filme, eu penso a condição das mulheres e como elas são observadas pelo cinema. A coragem maior de Miller, agora, foi desafiar um mito, o mito de um vigilante solitário, e dar a ele uma figura feminina com peso similar”, comentou a atriz.
Ainda este ano, Charlize volta à cena em The last face, drama social dirigido pelo ator Sean Penn, no qual contracena com Javier Bardem e Jean Reno. Os convites não param de chegar para a atriz, eleita duas vezes uma das 100 mulheres mais sexies do mundo, condição da qual ela mesmo faz troça: “Na indústria do entretenimento, acreditar em certos rótulos é como confiar que um unicórnio vai aparecer na sua frente”.
Garota exemplar
No mundo atual, com tanta valorização do exterior, é impressionante a capacidade de Charlize Theron de sair da zona de conforto. Ela pode ser a bruxa da Branca de Neve, em filme — mas, ainda assim, o espelho acusa modelo exemplar: é que, nos bastidores da sequência em andamento, Charlize reclamou — e logrou — a equiparação salarial com astros da franquia. “Do processo, ficou a mensagem que talvez baste você bater o pé”, resumiu à imprensa estrangeira.
Pelo efeito alcançado nas telas com a Imperatriz Furiosa, de Mad Max, veio outra quebra de paradigma para um filme de ação, e Charlize incendiou a corrente feminista. “Ser feminista é algo bom. Não significa que você precise odiar os homens”, pontuou. Quarentona , em agosto próximo, ela também desencoraja a “fantasia de que, aos 40, você morre”.
Mad Max, até na visão do virtual protagonista Tom Hardy, traz “um completo empoderamento da mulher”. Em Cannes, Charlize amplia a visibilidade das mulheres, representadas como cineastas em apenas dois concorrentes a prêmio. Na imprensa britânica, a intérprete de Furiosa renegou o rótulo de “supermulher” do papel. No esforço para fazer a Imperatriz Furiosa pesou, literalmente, a prótese de antebraço usada em cena, com mais de 4kg. Fato que lhe obrigou a malhar. No dia a dia, Charlize quer equiparar-se, na tranquilidade, ao filho Jackson, adotado há três anos, ao lado do noivo, Sean Penn.
Antes mesmo de ser Mensageira da Paz, pelas Nações Unidas, em 2007, a atriz criou a entidade Africa Outreach Project, que zela por jovens, na terra natal, África do Sul. O país com maior número de pessoas afetadas pela Aids tem fundos levantados pela atriz para controle do HIV. O auxílio beneficiou 200 mil jovens.
Escalada cintilante
Foi com O advogado do Diabo (1997) que a ex-modelo Charlize ganhou os olhares de Hollywood e passou a ambicionar destaque. Favoreceram diretores autorais como Woody Allen, com quem fez Celebridades (1998) e O escorpião de Jade (2001). Robert Redford rendeu parceria, em Lendas da vida, enquanto, com Lasse Hallström, fez Regras da vida. Outras colaborações viedram com Guillermo Arriaga (Vidas que se cruzam) e Ridley Scott (Prometheus). Para o futuro, a carreira lhe reservou, entre outros, o thriller Lugares escuros, de Gilles Paquet-Brenner.