É algo um tanto difícil de explicar. No Taste-Vin, restaurante francês mais famoso de Belo Horizonte, um dos pratos menos pedidos é o que leva papada de porco. O ingrediente, “descoberto” por chefs do país recentemente, é o mesmo que compõe a receita campeã de vendas do Glouton, casa de cozinha contemporânea que fica a um quarteirão dali, em Lourdes, bairro que é o epicentro gastronômico da cidade. Uma certeza: a culpa não é do acompanhamento. Uma “lei”: todo cardápio tem seu “lanterninha”.
“Mas quem pede, adora”, garante Rodrigo Fonseca, proprietário do Taste-Vin. A princípio, o desafio de quem trabalha no ramo é convencer o freguês a abrir mão do que come sempre e desviar seu olhar de pratos com itens considerados “comerciais”, tais como filé, camarão, risoto, massas e chocolate. No caso dele, outro prato disputa com a papada no quesito impopularidade, a trouxinha de taioba recheada com rabada.
“Não sei se é porque o pessoal associa esse prato a algo gorduroso e cheio de osso. É uma pena, porque o sabor é bem intenso. O molho da rabada é coado, desengordurado, fica aromático. Um negócio muito fino, bom para tintos encorpados e potentes”, diz Fonseca. A receita, acrescenta, é inspirada na do chef francês Alain Dutournier, cujo restaurante parisiense estrelado Au Trou Gascon o proprietário do Taste-Vin costuma frequentar quando visita a cidade. E apesar de a taioba faltar alguns meses por ano, o prato segue firme no cardápio.
“Se você escreve chuchu refogado, o camarada se lembra da casa dele e não vende. Se você escreve chuchu finalizado com azeite biológico, é outra coisa. Depende da forma como se vende o produto”, resume Ivo Faria, que comanda o italiano Vecchio Sogno, uma das cozinhas mais tradicionais da capital mineira. Ele não citou o chuchu por mero acaso, mas porque adora trabalhar com verduras e legumes – e, por vezes, não consegue emplacar pratos com eles.
Abóbora, chuchu, repolho e jiló são alguns dos “vilões” por lá. Não por acaso, o prato menos vendido da casa é a tilápia com moqueca de abóbora e mamão verde, servida com emulsão de lagostim e cubinhos de abacaxi. “Pelo fato de ter a danada da abóbora e o mamão verde, aí deu zebra. Mesmo explicando o que é, o cliente rejeita.” Há cerca de seis meses no cardápio, a receita está de saída. Detalhe: a versão anterior do peixe – ao molho de cambuci, com cenoura, brócolis e purê de batata – vendia mais.
“O problema do belo-horizontino é achar que certos ingredientes são muito simples. Fui cozinhar em Paris recentemente e meus pratos que mais fizeram sucesso foram uma salada de jiló e um peixe com moquequinha de mandioca, banana-da-terra e purê de abóbora. Os jornalistas que estavam no evento ficaram impressionados e me falaram que, pelo sabor e combinação, esses pratos poderiam estar em qualquer restaurante estrelado da França”, lembra o chef.
A busca por respostas costuma apontar para o paladar do freguês como o responsável pelo fracasso de um prato. Entretanto, há quem discorde. O chef Leo Paixão, do Glouton, acredita que a aceitação de uma receita depende muito do trabalho feito pelo garçom. “Se ele trabalha bem, você vende o que quer. Se o maître está de folga e não converso com os garçons, só sai camarão. É preciso também convencer o garçom. Costumo fazer pratos para eles provarem”, conta.
Além disso, os funcionários do salão do Glouton têm a oportunidade de comer pratos do cardápio por metade do preço quando termina o expediente. De fato, é uma estratégia inteligente para fazer com que se “vista a camisa” de criações interessantes, como o arroz de galinha caipira com quiabo e jerez e uma sobremesa à base de frutas do cerrado (coquinho azedo, cagaita e buriti) – todas elas feitas com ingredientes vistos como pouco nobres ou de difícil aceitação.
MIÚDOS Ainda que se aposte em ingredientes caros e consagrados, o retorno nas vendas não é garantido. É o caso do foie gras no Favorita. “Temos sempre, mas a venda é muito pequena. Algumas coisas mantemos por prestígio. E não sai pouco pelo preço, pois ainda é mais barato que camarão, que esses dias chegou a R$ 128 o quilo. Além disso, foie gras tem rendimento de 100%, enquanto no camarão descartamos casca e cabeça”, diz o proprietário, Fernando Areco. Ostras e miúdos de vitelo são outras eternas apostas da casa.
Por falar nisso, a parrilla Los Hermanitos é dos poucos endereços belo-horizontinos em que se consegue comer mollejas, glândula retirada do pescoço do boi, muito apreciada na brasa pelos argentinos e conhecida como timo no Brasil. Antes, ele fazia parte da parrillada, ou seja, era incluída na chapa de ferro juntamente com outros cortes de carne. Hoje, no entanto, foi substituída pela costelinha e virou uma porção separada.
“Cerca de 70% voltavam e ia tudo para o lixo. Hoje não obrigo mais ninguém a comer nada”, desabafa o argentino Gustavo Roman, proprietário da casa. Ele conta que, quase sempre, quem pede timo são os argentinos que moram em Belo Horizonte. “Vendo muito pouco, uma ou duas vezes por semana. É um produto com muita gordura e é preciso grelhá-lo devagar para eliminá-la. Eu gosto, mas comia mais quando era mais novo”, completa.