Primeira vacina contra a covid patenteada poderá ser testada no Brasil
Primeiro imunizante com estudos de segurança e eficácia publicados é patenteado na China. O laboratório de biotecnologia CanSino tem planos de incluir o Brasil na terceira fase de ensaios clínicos, quando os testes abrangem milhares de pessoas.
A China se tornou o segundo país a conceder a patente de uma vacina contra a covid-19. Mas, ao contrário do produto anunciado, na semana passada, na Rússia, que não teve nenhum teste de segurança e eficácia divulgado, os fabricantes da substância chinesa publicaram os estudos de fase I e II, com resultados positivos. Outra diferença é que, enquanto o imunizante russo foi registrado para uso em massa, o do laboratório CanSino passará, ainda, pela terceira etapa das pesquisas, que envolve um grande número de pacientes, na casa dos milhares. Segundo um comunicado do governo, a empresa de biotecnologia tem interesse de incluir o Brasil nessa fase.
Os estudos da Ad5-nCoV começaram em março e, por enquanto, demonstraram que essa é uma das vacinas mais seguras contra o Sars-CoV-2. A substância é uma das cinco que vêm sendo produzidas no país asiático — uma delas é a da Sinovac, em teste na Universidade de Brasília (UnB). A patente foi pedida para proteger a propriedade intelectual, pois os dados sobre o desenvolvimento do imunizante foram, e continuam sendo, divididos com a comunidade científica internacional.
Para produzir a Ad5-nCoV, os pesquisadores usaram a versão atenuada de um vírus comum da gripe, que funciona como meio de transporte, mas é incapaz de causar a doença. Ele leva para o código de produção da proteína spike, usada pelo coronavírus para entrar e se reproduzir no corpo do hospedeiro. Em contato com a substância, as células produzem a spike e viajam para os linfonodos, onde o sistema imunológico cria anticorpos que reconhecerão a proteína e lutarão contra o coronavírus.
Precedente
Em 2017, a mesma tecnologia foi utilizada pelo CanSino para o desenvolvimento da primeira vacina já aprovada contra Ebola, vírus altamente letal que matou milhares na África Ocidental, três anos antes. A abordagem também é semelhante à da substância da Universidade de Oxford, testada no Brasil pelo Instituto Butantan.
Apesar de ter sido divulgada nesta segunda-feira (17/8), a patente da Ad5-nCoV foi registrada em 11 de agosto, mesmo dia do da vacina russa, segundo a imprensa chinesa. Os dois países, aliás, pretendem trabalhar juntos no desenvolvimento de imunizações de covid-19. No último domingo, o principal especialista em doenças respiratórias da China, Zhong Nanshan, participou de um simpósio com cientistas da Rússia e afirmou que há interesse em troca de informações.
“A China e a Rússia podem aprender uma com a outra. As tecnologias e estratégias russas (de combate à covid-19) merecem ser estudadas, enquanto a China tem métodos únicos para controle da pandemia, especialmente o uso da medicina tradicional”, afirmou. Nanshan não disse o nome de nenhuma vacina específica, mas a CanSino informou, em nota, que está em conversação com Moscou para os testes de fase III da Ad5-nCoV.
Na semana passada, a Arábia Saudita anunciou que os testes de fase III da vacina chinesa começarão, ainda neste mês, no país. Em um comunicado de imprensa, a CanSino anunciou que pretende fechar acordos também com Brasil e México para o estudo final da substância.
Estudos
O laboratório chinês divulgou, em maio, os resultados preliminares dos estudos com a vacina. Em um artigo na revista britânica The Lancet, uma das publicações médicas mais respeitadas do mundo, cientistas liderados por Feng Cai Zhu, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da Província de Jiangsu, relataram que 108 adultos entre 18 e 60 anos, sem exposição prévia ao Sars-CoV-2, receberam doses baixas, moderadas e altas da substância e foram observados por 28 dias.
Ao fim da segunda semana, todos desenvolveram anticorpos específicos, com pico de produção em quatro semanas, quando até 97% dos participantes exibiam proteínas neutralizantes, além de células de defesa. As reações adversas mais comuns foram febre, fadiga, dor de cabeça e dor muscular.
No início de agosto, a companhia publicou, novamente na The Lancet, os resultados da fase II, que incluiu mais de 500 voluntários do exército chinês. “O estudo de fase II acrescentou mais evidências sobre a segurança e a imunogenicidade em um grupo grande de pessoas, maior que da fase I. Esse é um passo importante na avaliação dessa vacina experimental, e os ensaios III agora estão ocorrendo”, disse, em comunicado, Feng-Cai Zhu.
Os 508 participantes foram avaliados 14 e 28 dias depois da vacinação. Os resultados mostraram que 95% daqueles que receberam doses altas e 91% do grupo de baixa dosagem apresentaram anticorpos para o Sars-CoV-2 ao fim de quatro semanas. O percentual dos que tiveram níveis detectáveis de células T foi de 90% e 88%, respectivamente, no mesmo período. Assim como na fase I de testes, as reações adversas mais comuns foram febre, fadiga e dor no local da injeção. De acordo com os autores, é possível que populações em alto risco, como idosos, necessitem de uma segunda dose de reforço.
Apesar dos resultados positivos, que receberam incentivos de cientistas de diversos países em cartas publicadas pela The Lancet, os especialistas destacam que, antes dos resultados da fase III quando o número de pacientes sobe para a casa de milhares, é preciso ter cautela. “O processo de desenvolvimento de vacinas, especialmente para vírus respiratórios, é desafiador”, lembra a virologista da Universidade de Kentucky Rebecca Dutch. “Há uma grande quantidade de testes de segurança que precisam ser feitos. Vacinas para covid-19 serão administradas na maior parte do mundo. Portanto, mesmo que apenas uma em cada mil pessoas testadas desenvolva uma reação severa, esse seria um resultado muito ruim. O ato de projetar uma vacina em si não é tão difícil, você apenas tem de fazer todos os controles corretos e todos os estudos de segurança corretos, ou pode tornar a população mundial ainda mais doente”, assinala a virologista.
Células de memória reagem em casos leves
Casos leves da covid-19 podem desencadear respostas robustas de células T de memória, mesmo na ausência de níveis detectáveis de anticorpos específicos para o novo coronavírus, relatam pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, em um estudo publicado na revista Cell. Os autores afirmam que essa reação, gerada pela exposição natural ou à infecção pelo Sars-CoV-2, pode ser um componente imunológico significativo para prevenir a forma grave da doença no caso de contágio futuro.
“Atualmente, estamos enfrentando a maior emergência global de saúde em décadas”, afirmou o autor sênior, Marcus Buggert. “Na falta de uma vacina protetora, é fundamental determinar se as pessoas expostas ou infectadas, especialmente aquelas com formas assintomáticas ou muito leves da doença, desenvolvem respostas imunes adaptativas robustas contra o Sars-CoV-2”, acrescentou.
Até o momento, há evidências limitadas de reinfecção em humanos com covid-19 previamente. A maioria dos estudos sobre a proteção imunológica contra o novo coronavírus em pessoas enfocou a indução de anticorpos neutralizantes. Mas as respostas dessas proteínas tendem a diminuir, e não são detectáveis em todos os pacientes, especialmente, aqueles com formas menos graves da doença.
Pesquisas em camundongos mostraram que as respostas das células T de memória induzidas pela vacina, e que podem persistir por muitos anos, protegem contra um vírus muito semelhante, o Sars-CoV-1, mesmo na ausência de anticorpos detectáveis. Até agora, não estava claro se o fenômeno é igual em relação a grupos celulares específicos de combate ao Sars-CoV-2.
Surpresa
Para abordar essa questão, Buggert e colaboradores avaliaram a produção de células T e de anticorpos específicos para Sars-CoV-2 em 206 indivíduos da Suécia. Durante a fase aguda, as respostas celulares foram associadas a vários marcadores clínicos de gravidade da doença.
Após a recuperação da covid-19, os pacientes apresentavam níveis detectáveis dessas estruturas. As respostas de células T mais fortes estavam presentes nos 23 pacientes que superaram a covid-19 grave. Esses também desenvolveram anticorpos para o vírus.
Surpreendentemente, as respostas de células T de memória específicas para Sars-CoV-2 foram detectadas meses após a infecção em membros da família dessas pessoas, que foram expostas ao vírus mas não se contaminaram, e na maioria dos indivíduos com histórico de covid-19 muito leve; às vezes, na ausência de anticorpos específicos para o coronavírus.
Entre os 28 familiares expostos, apenas 17 (um pouco mais da metade) tiveram respostas de anticorpos detectáveis, enquanto quase todos (26/28) mostraram contagem de células T. Entre os 31 indivíduos que se recuperaram da covid-19 leve, praticamente todos tiveram respostas de anticorpos detectáveis (27/31) e desenvolveram respostas de células T (30/31).
“Nossas descobertas sugerem que a dependência de respostas de anticorpos pode subestimar a extensão da imunidade em nível populacional contra Sars-CoV-2”, disse Buggert. “O próximo passo óbvio é determinar se as respostas robustas das células T de memória na ausência de anticorpos detectáveis podem proteger contra covid-19 em longo prazo.”