Enquanto o álcool é a droga lícita mais consumida no mundo, o alcoolismo é considerado um problema de saúde pública primário, crônico, cujo desenvolvimento pode ser influenciado por fatores genéticos, psicossociais e ambientais. O problema, que é considerado progressivo e pode ser fatal em longo prazo, é causado pelo consumo abusivo de bebidas alcoólicas e se revela, geralmente, acompanhado por distorções do pensamento e pela negação.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil ocupa o 5º lugar entre os países sul-americanos em mortes por alcoolismo. Estudos diversos comprovam que os efeitos do álcool no sistema nervoso central podem ir de um simples estado de euforia à inquietação, irritabilidade, comportamento violento, até à percepção distorcida de profundidade, distância, tempo, dimensões, formas e movimentos.
Os vários problemas relacionados ao álcool e outras drogas no local de trabalho, além de causarem grande prejuízo financeiro às corporações, afetam diretamente a saúde dos trabalhadores, seu bem-estar e a sua segurança. E vão além: deterioram a vida pessoal, geram crises conjugais ou familiares, depressão, tensão psicológica, estresse no trabalho ou fora dele, perda de emprego e problemas legais e financeiros.
A iniciativa pela prevenção
Atualmente, grandes grupos empresariais têm exercido papel importantíssimo na sociedade, pela iniciativa de investir fortemente em ações que promovem cidadania, segurança e qualidade de vida entre seus colaboradores. Conscientes de sua responsabilidade social, eles têm chamado para si a tarefa de conscientizar seus funcionários quanto à problemática das drogas, do aborto e outros temas relevantes.
No mercado de segurança há 42 anos, 17 deles no Maranhão, a Servis Segurança, por exemplo, vem promovendo palestras sobre os malefícios causados pelo álcool, para evitar e prevenir o alcoolismo entre seus milhares de funcionários, espalhados por vários estados do Norte e Nordeste do país. O empresário e diretor do Grupo, Luís Eduardo Girão, que durantes dois dias reuniu seus funcionários em São Luís para evento sobre o tema, diz que “a iniciativa visa sensibilizar e levar a equipe à reflexão e à autoavaliação”.
“A iniciativa visa sensibilizar e levar a equipe à reflexão e à autoavaliação “, Luís Eduardo Girão Servis Segurança
O ponto alto do evento, ocorrido nos últimos dias 22 e 23, foi a palestra proferida por Jorge Damasceno, cuja impressionante história de superação, depois de perder uma fortuna avaliada em R$ 70 milhões para o álcool e outras drogas, virou documentário.
O material, patrocinado e produzido pelo Grupo Servis Segurança, e apoiado por importantes entidades do Ceará, relata o inferno vivido pelo empresário em sua odisseia pelo mundo tenebroso do vício.
Damasceno, que hoje se autointitula “O sobrevivente”, utiliza seu conhecimento de causa para ajudar pessoas
“Nunca passou pela minha cabeça que podia ajudar alguém com a minha história de vida”, Jorge Damasceno, palestrante
que enfrentam o mesmo problema, ou apenas conscientizá-las. “Nunca passou pela minha cabeça que podia ajudar alguém com a minha história de vida”, disse Jorge.
A história
“Hoje eu não tenho dez centavos, mas sou feliz”. Foi assim que Jorge Damasceno iniciou a entrevista ao jornal O Imparcial. Filho de uma das famílias mais tradicionais de Fortaleza, o empresário era herdeiro de um império que durou mais de 50 anos no Ceará. “Minha família era uma das dez mais ricas do estado”, revelou. Aos 56 anos, e limpo há 10, Jorge conta uma história trágica, mas que, segundo ele, ao fim tinha um propósito divino. “Se Deus quisesse me devolver toda minha fortuna hoje, não aceitaria, pois hoje me considero um homem feliz”.
Sua viagem ao inferno se iniciou aos 13 anos, quando experimentou álcool pela primeira vez. O álcool foi a porta de entrada para outras drogas, como maconha, LSD, ecstasy e cocaína. “Cheguei até a fumar crack”, revelou.
“Minha família era uma das dez mais ricas do estado. Se Deus quisesse me devolver toda minha fortuna hoje, não aceitaria, pois hoje me considero um homem feliz”,
Próspero e bem-sucedido, parte do grupo Damasceno incluía uma cadeia de lojas de eletrodomésticos, fábricas de sapatos (Kemp, vendida posteriormente para a Grendene), com escritório de vendas na Europa e Estados Unidos, indústria e lojas de roupas, além de empreendimentos na área da hotelaria. Nele, Jorge começou a trabalhar muito cedo, assim como a também beber muito e usar drogas. Fez uso dessas substâncias durante 35 anos.
O vício afetava em cheio as relações com a família, que aos poucos foi se distanciando. Jorge abandonou seis mulheres e seis filhos. Segundo ele, trocava esposa por prostitutas, uma garrafa de uísque e um cigarro de maconha. Tinha carros de luxo, imóveis de alto padrão, adorava sapatos caros e não abria mão das noitadas com mulheres e amigos. Após perder tudo, viveu nas ruas por dois anos até ser resgatado pela irmã, Margarete Damasceno, que o levou para o Instituto Volta Vida, coordenado pelo psicólogo especialista em dependência química, Osmar Diógenes Parente. “Pedia esmola, perdi quase todos os dentes, morava num terreno baldio e cheguei a ser preso umas cinco vezes. Eu não roubava, mas era preso por vadiagem e solto no dia seguinte”, relembra.
Entre uma e outra internação, Jorge teve várias recaídas, mas diz que foi “tocado por Deus” há 10 anos, ao reencontrar a filha Líbia, de 24. Com ela, reencontrou Graça, a mãe da jovem, com quem se casou e vivem juntos até hoje, com dois netos, Vítor e Pedro Hugo. “Hoje sei como é amar e ser amado, me sinto útil. Tenho um papel importante dentro da minha família e na sociedade. Agora sei qual o real significado de amor, pois, quando estava arrumando as minhas malas para viajar a São Luís, meu neto me disse: ‘Vovô, eu te amo’”.
Atualmente, além de palestrante parceiro da Servis Segurança, Jorge atua na Guarda Municipal de Maracanaú, é voluntário em projetos como o “Muda Mulher”, que tem um setor voltado para dependentes químicas, e de campanhas como a intitulada “Amor à vida”. Ele também é parceiro da Comissão de Políticas sobre Drogas da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Ceará (OAB-CE).
Consumo per capita X prevenção
O álcool é consumido praticamente em todo o mundo. No Brasil, o consumo total estimado é equivalente a 8,7 litros por pessoa, quantidade superior à média mundial. Estima-se que homens consumam 13,6 litros por ano, e as mulheres, 4,2 litros.
Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o uso abusivo do álcool pode colocar em risco o trabalhador, a empresa em que ele atua e, em alguns casos, os clientes da empresa. A entidade conclui que trabalhadores que consomem álcool e outras drogas apresentam maior probabilidade de se envolverem em acidentes e de se ausentarem mais frequentemente do trabalho, do que aqueles que não fazem uso dessas mesmas substâncias.
Embora os problemas ligados ao álcool e às drogas sejam preocupações permanentes de gestores no Brasil e no mundo, e para evitá-los sejam necessárias ações preventivas contínuas dentro das empresas, Girão explica que a iniciativa da Servis não visa exclusivamente manter a produtividade e a competitividade de sua força de trabalho, mas objetiva, antes disso, proteger a saúde, o bem-estar e a segurança da equipe.
“A Servis visa que a equipe tenha plena consciência dos problemas causados pelas drogas, mas, sobretudo, que ela tenha responsabilidade consigo própria e compromisso com seus sonhos. O alcoolismo pode levar não apenas à incapacidade no cumprimento de suas tarefas, mas também à privação da realização desses sonhos”, finaliza.