CRISE ECONÔMICA

Além do ajuste

As crises grega e brasileira têm pelo menos um ponto em comum: elas mostram que, com o tempo, a realidade sempre se impõe. Assim, as dificuldades vividas pela nossa economia no primeiro semestre de 2015 já eram esperadas, dados os desequilíbrios acumulados nos anos anteriores. De um jeito ou de outro, esses desequilíbrios teriam de […]

As crises grega e brasileira têm pelo menos um ponto em comum: elas mostram que, com o tempo, a realidade sempre se impõe. Assim, as dificuldades vividas pela nossa economia no primeiro semestre de 2015 já eram esperadas, dados os desequilíbrios acumulados nos anos anteriores. De um jeito ou de outro, esses desequilíbrios teriam de ser atacados e isso teria custos significativos. É o que se tem constatado.
O desempenho da economia acabou sendo, porém, ainda pior do que se previa. Isso fica claro no levantamento semanal feito pelo Banco Central junto ao mercado financeiro. No fim de 2014, previa-se que este ano o PIB cresceria 0,5% e a inflação ficaria em 6,6%; hoje, esses números estão em 1,8% e 9,2%, respectivamente.
Três fatores principais explicam a surpresa negativa na economia. Primeiro, a revelação de que a situação fiscal em 2014 fora de fato ainda pior do que indicavam os números de então, pela não contabilização de despesas realizadas naquele período. Segundo, a frustração com a recuperação da economia mundial e os impactos que isso vem tendo sobre o preço das commodities e a nossa capacidade de aproveitar a desvalorização cambial para crescer exportando mais. Basta ver que o preço em dólar das nossas exportações caiu 23% nos 12 meses até maio passado. Por fim, mas não menos importante, a crise política também se mostrou bem maior e mais espinhosa do que se previa, reduzindo consideravelmente a capacidade de resposta da nova equipe econômica.
A interação entre as políticas públicas também não tem ajudado. A correção dos preços administrados, necessária, entre outras coisas, para aliviar as contas públicas, tem exigido uma resposta forte do Banco Central, para que a inflação não dispare. Mas os juros altos afetam o nível de atividade e levam as empresas a adiar o pagamento de impostos, para aproveitar o alto retorno financeiro sobre suas aplicações. Isso acentuou a queda das receitas públicas e limitou o ajuste fiscal, o que pressiona o câmbio e coloca mais pressão sobre a política monetária. Na mesma linha, a forte queda das importações ajuda a equilibrar as contas externas, mas pesa negativamente sobre as receitas do governo.
Nada disso altera o fato de que o Ministério da Fazenda e o Banco Central estão trabalhando com as prioridades certas: elevar o superavit primário e trazer a inflação para a meta. Mas fica claro que o desafio é bem maior do que muitos achavam. É isso que mostra a redução, na semana passada, das metas fiscais para este e os próximos anos: fica mais evidente que o quadro atual é distinto dos registrados em 1999 e 2003, quando ajustes fortes concentrados em poucos trimestres rapidamente recolocaram a economia em um ritmo saudável de expansão. O ajuste, desta vez, terá de ser mais profundo e bem mais demorado. E é provável que ele só venha a ser totalmente concluído quando o país tiver superado o impasse político em que se encontra.
Isso posto, me parece que há espaço para acelerar o ajuste por meio da construção de uma agenda de caráter mais estrutural, que dê aos agentes econômicos uma visão mais positiva sobre o desempenho brasileiro de médio prazo. Nesse sentido, é difícil atribuir os níveis recordes de (baixa) confiança de empresários e consumidores apenas ao quadro conjuntural. É provável que eles também reflitam a falta de visibilidade sobre o potencial de crescimento do país, uma vez concluído o ajuste .
Uma agenda com esse perfil deveria focar em dois elementos. Um, alterar as normas que regem o gasto público, para que este pare de crescer à frente do PIB. As despesas primárias do governo central subiram em média 0,38% do PIB ao ano, entre 1991 e 2014. Esse aumento foi acomodado por meio de uma alta da carga tributária, mas isso teve reflexos negativos sobre o ritmo de expansão da economia. Mudar esse padrão é politicamente difícil, mas mantê-lo é condenar o Brasil à estagnação.
O outro elemento básico da agenda é criar condições para acelerar o crescimento da produtividade. Triste observar que hoje em dia o trabalhador brasileiro é, em média, pouco mais produtivo do que três décadas atrás. Minha visão é de que as duas prioridades nessa área são ampliar o investimento em infraestrutura e simplificar as regras tributárias e regulatórias, das trabalhistas às ambientais.
Foi pena não aproveitar o bom momento vivido com o boom das commodities para promover essa agenda. O momento atual não é tão favorável, mas a necessidade de construir essa agenda ficou ainda maior.
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