ESPORTES NA TERCEIRA IDADE

Sem medo, idosos procuram esportes radicais

Apesar de terem passado dos 60 anos, atletas da cidade esbanjam coragem para encarar aventuras que muitos jovens não topariam

ESPORTE
Uma turma de cabelos brancos de Brasília não se permite ter medo de problemas cardíacos — mesmo que a idade seja um dos fatores para dobrar a atenção com a saúde. Provavelmente, porque o coração desse pessoal com mais de 60 anos já aguentou experiências pra lá de radicais — e não se cansa de pedir mais. São justamente as estripulias que os fazem se sentir motivados. “A vida está esperando aí para a gente vivê-la. Ela pode ser realmente maravilhosa, cabe a nós fazermos dela maravilhosa”, ensina o médico Remi Toscano, com a sabedoria adquirida ao longo dos 73 anos.
 
otociclismo. É em cima de duas rodas, em alta velocidade, que o piloto mais velho da Moto 1000 GP, campeonato nacional da modalidade, se realiza. “Você não imagina o quanto isso é importante para mim. Faz bem para a saúde e ajuda a manter mente e corpo sadios”, aponta.
Quando está no asfalto, doutor Remi se sente em seu próprio território. Com uma diferença: a cada corrida, a “casa” está sempre cheia. E nela não tem restrição de idade, pelo contrário. A convivência com os amigos que fez no motociclismo alegra o médico. “Sinto falta de calor humano quando não estou lá, onde o esporte funciona como um elo entre o pessoal mais velho e a mocidade. Já passei dessa fase da juventude, mas continuo com ilusões, sonhos e muita vontade de viver”, ressalta.
Tamanha empolgação não dá espaço para o sentimento de medo, mesmo tratando-se de esportes de adrenalina. “Sinceramente, eu não sinto friozinho na barriga nenhum”, jura doutor Remi.
Destemida
O jeito destemido também pode ser visto em Geralda Ferreira, 77 anos. A lista de aventuras dela é extensa: rapel, tirolesa, paraquedas, parapente, bungee jump… Orgulhosa pela coragem, dona Geralda assume ter adquirido apenas um receio, que prefere chamar de cisma, “porque não chega a ser medo”. “A única cisma que tenho é de furar onda grande. O pessoal me colocou tanto medo, que eu deixei de fazer há um tempo e prefiro evitar”, reconhece.
A confiança para nadar longas distâncias no mar, Geralda adquiriu no tempo que morou no Rio de Janeiro — dos 15 anos até se mudar para Brasília, aos 45, em 1983. A saudade que o mar deixou foi amenizada com o Lago Paranoá. Mesmo sem nunca ter tomado aulas de natação, ela pegava o ônibus para improvisar umas braçadas no local. Das várias histórias que guarda na memória, conta sobre o dia em que avistou um jacaré enquanto nadava no lago. Ilusão de ótica ou não, foi lá que soube, por meio de um bombeiro, que no antigo Defer havia aulas de natação.
No atual Complexo Aquático Cláudio Coutinho, Geralda foi além. Assim que viu as plataformas dos saltos ornamentais, achou o que queria. Fascinada por altura, não se importa em pegar quatro ônibus para ir de casa, em São Sebastião, ao local arriscar saltos de 5 metros e 10 metros. Isso quando não consegue escapar aos olhos dos bombeiros e da polícia para pular da Ponte Costa e Silva, no Lago Paranoá. “Eles dizem que sou mau exemplo, mas as pessoas já pulavam da ponte antes de eu ir lá”, diz.
Para a aposentada, a graça das aventuras é sentir a liberdade. Diante da destemida mãe, a filha com quem ela mora em Brasília, Sônia Ferreira, 51 anos, acabou sendo encurralada. “Todos viam minha mãe topando qualquer desafio e me instigavam, dizendo que era uma vergonha eu não ter coragem de acompanhá-la”, diz. Fã incondicional de dona Geralda, Sônia venceu o medo. Além de fotografar, filmar e viajar para dar apoio às invenções da mãe, passou a topar as aventuras. Foi nesse embalo que Sônia completou o curso para se tornar paraquedista e mergulhadora.
Capotagem e picadas de abelha
 
Aos 60 anos, Ricardo Ortega esbanja experiência no voo livre. O primeiro contato com a modalidade ocorreu na década de 1980. Na época, ele se mostrava propenso à prática do windsurfe. “Eu estava com o dinheiro na mão para comprar uma prancha de wind quando passei no Lago Paranoá e experimentei a sensação de planar. Na mesma hora, desisti da prancha e usei o dinheiro para pagar um curso de asa-delta”, lembra.
O investimento gerou frutos: Ricardo competiu em campeonatos profissionais mundo afora por muito tempo. Depois, se tornou instrutor, profissão que segue até hoje. “Tenho 35 anos de voo livre e quero mais”, anima-se. “É que um voo nunca é igual ao outro. Vivemos conhecendo coisas novas, e as experiências que ocorrem no esporte a gente leva para a vida”, justifica. A média de voos, que chegou a ser de um vez por semana no auge da carreira como atleta, se reduziu para cinco a 10 vezes no ano.
A frequência diminuiu, mas a ligação que ele tem com a asa- delta já rendeu muitas aventuras pelo céu de Brasília. “Passei por todos os perrengues possíveis nesse esporte”, orgulha-se, com bom humor. Entre os mais arriscados, Ricardo cita a ocasião em que teve de acionar o paraquedas de segurança depois de capotar com a asa-delta a 1.800 metros de altura. Outras situações chegam a ser cômicas, como da vez em que atropelou seis casas de abelhas com asa-delta e tudo. “Achei ferrão no meu corpo por semanas depois do episódio”, diz.
Os “voos” do Pirueta
Quando uma atividade vira paixão, é difícil largar. Os “voos” de Marco Aurélio Santos, 72 anos, duram segundos até que ele toque na água, de forma hipnotizante, após pular das plataformas de saltos ornamentais. Os 10 metros de altura impressionam, mas não o fazem se intimidar em fazer manobras ousadas. Foram elas, por sinal, que lhe renderam o apelido de Pirueta.
Marco Aurélio já não disputa campeonatos há um bom tempo. O que não significa que tenha se afastado deles. “Vou a todas as competições de saltos que posso. Entre uma prova e outra, quando o pessoal se dá conta, estou lá em cima da plataforma, fazendo as minhas exibições”, conta, aos risos. De vez em quando, porém, ele passa de coadjuvante a atração principal. Pirueta participa de shows acrobáticos, nos quais faz saltos folclóricos para divertir o público. “É bom mostrar para a moçada que há longevidade no esporte, inclusive no acrobático”, defende.
As histórias e lembranças de uma vida dedicada aos saltos ornamentais, Pirueta guarda em um caderno recheado de dedicatórias de esportistas e técnicos, colecionadas por quase seis décadas. Mesmo depois de tanto tempo, a adrenalina de se jogar lá do alto continua a fasciná-lo.
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