Agualusa: para um elogio das palavras
José Eduardo Agualusa é um dos nomes mais representativos não só da literatura de língua portuguesa, mas de toda a literatura contemporânea.
Entre os escritores contemporâneos de língua portuguesa, o angolano José Eduardo Agualusa possui um lugar de destaque, tanto pela qualidade invulgar de sua prosa, a qual flerta constantemente com a poesia, quanto por sua capacidade de recriar, em seus livros, a complexidade tanto de seu país quanto do mundo à sua volta, pondo a nu os dramas, os dilemas, as glórias e tragédias de uma humanidade cada vez mais perdida em relação ao seu próprio caminho.
Envoltos em uma atmosfera quase mágica, muitos de seus livros refletem sobre a condição de seu país sem, contudo, resvalar para o puro localismo.
Em obras como Barroco Tropical, Teoria Geral do Esquecimento e O Vendedor de Passados, por exemplo, o escritor angolano vai além de uma simples tentativa de descrever a condição de seu povo e de sua gente, acabando por recriar, acima de tudo, um mundo todo seu, o qual convive em perfeita harmonia com o simples mundo banal.
Profundamente marcado pelas relações que formaram seu país, Agualusa não se intimida em investigar em seus romances as raízes mais profundas da formação de um povo que, fruto da síntese de África e Europa, aos poucos vai descobrindo a sua própria origem, após as tragédias da colonização.
É o que se dá em obras como Nação Crioula e A Rainha Ginga, verdadeiros monumentos à memória e à identidade cultural, nas quais, de forma apaixonada e apaixonante, Agualusa expõe a complexa relação entre Portugal e Angola.
De igual forma, seus últimos livros têm apontado para uma reflexão cada vez mais atenta acerca da condição do mundo atual. É o que se nota, por exemplo, em Os Vivos e os Outros, uma verdadeira alegoria na qual realidade e ficção dialogam, revelando o que há de grandeza e mistério mesmo nos hábitos mais cotidianos.
Autor prolífico, o escritor angolano apresenta ao seu público um mundo no qual a realidade, a ficção, os mitos, as lendas e a história convivem em perfeita harmonia, todos convergindo para o mesmo mar: a literatura.
Ganhador de prêmios como o Prémio Independente de Ficção Estrangeira, promovido pelo diário britânico The Independent em colaboração com o Conselho das Artes do Reino Unido e o Prêmio Literário Internacional IMPAC de Dublin, José Eduardo Agualusa é sem dúvida alguma um dos nomes mais representativos não só da literatura de língua portuguesa, mas de toda a literatura contemporânea, colocando, assim, a língua de Camões, Fernando Pessoa e Machado de Assis no centro dos grandes debates literários atuais, com beleza, rigor e humanidade.
“A poesia á minha ficção”
Correspondentes – Qual sugestão você daria para que os países lusófonos possibilitassem que os seus escritores se tornassem mais conhecidos entre si?
Agualusa: Creio que deveria haver mais apoio à circulação dos livros em língua portuguesa. Os países africanos de língua portuguesa praticamente não editam obras de autores brasileiros e portugueses. Então, essas obras, publicadas em Portugal e no Brasil, deveriam estar livres de direitos. Outra possibilidade seria Portugal e Brasil apoiarem financeiramente as editoras africanas que queiram publicar autores portugueses e brasileiros. Um pouco como faz Portugal com o programa de apoio às traduções — que funciona muitíssimo bem.
Correspondentes – É muito interessante a influência que os sonhos têm no seu processo de criação literária. Fale-nos um pouco disso.
Agualusa: Sonhar sempre fez parte do meu processo criativo. Sonho muitas vezes com enredos, com personagens ou com o desfecho de uma determinada história. Criei estratégias que me permitem recordar e trabalhar esses sonhos. Cheguei a realizar em Luanda uma oficina de escrita criativa a partir de sonhos.
Correspondentes – Com frequência encontramos em sua obra o “fantástico”, o “extraordinário” misturando-se com o real. As tradições orais africanas foram uma forte influência para sua obra?
Agualusa: Nos nossos países, em Angola ou Moçambique, como no Brasil, nos meios rurais, a tradição oral nunca se perdeu. Todos nós crescemos entre contadores de histórias e utilizamos, na escrita, muitas das suas estratégias narrativas.
Por outro lado, o fantástico e o maravilhoso fazem parte do nosso quotidiano, são parte dele. Não é possível escrever um romance realista africano que não integre, de uma forma ou de outra, essa parte da realidade que, nos países ocidentais, mais urbanizados, é entendida como realismo mágico.
Correspondentes – “A literatura é a maneira que um verdadeiro mentiroso tem para se fazer aceitar socialmente”, afirma você no romance O vendedor de Passados (2004). Dessa forma, quais mentiras (ou verdades) o escritor e cidadão José Eduardo Agualusa guarda apenas para si?
Agualusa: As que guardo apenas para mim não irei partilhar aqui, é claro. As melhores mentiras são sempre aquelas que conseguem tornar-se realidade.
Correspondentes – O romance Teoria Geral do Esquecimento (2012), ainda que seja, entre outras coisas, uma grande metáfora sobre o medo, também aponta-nos para a importância da escrita como uma forma de enfrentar a realidade. Para você, a literatura é alguma forma de salvação? E, se for, como então conciliá-la com a aspereza do mundo real sem que entre ambos seja necessário erguer muros, como faz a personagem do livro?
Agualusa: Sim, acredito que a ficção, quando tem sucesso, transforma a realidade. De certa forma, a ficção acaba sempre por fundar, por impor, uma outra realidade.
Correspondentes – É inegável a presença de uma forte marca poética em seus textos, seja pela musicalidade de seu estilo, seja pela sofisticação de suas imagens, seja, por vezes, pela presença de poemas compondo a própria estrutura de seus romances. Sendo assim, qual é o papel da poesia em sua obra? E, considerando que também escreve poesia, você se sente realizado como poeta?
Agualusa: A poesia é muito importante na construção da minha obra. Em primeiro lugar, porque sou um ficcionista movido a poesia. Leio poesia para escrever ficção. Por outro lado, incorporo a poesia á minha ficção — também porque essa é a minha maneira de entender a vida. Poesia é tudo aquilo que na vida nos surpreende e ilumina.