LITERATURA

Obra de Suassuna para filme vira livro

História inédita escrita por Ariano Suassuna para virar filme é lançada como livro

Divulgação

Antes de começar a ler este texto, faça um teste. Entre em uma das plataformas de streaming e ouça algum álbum do Quinteto Armorial. Ao mesmo tempo, leia os trechos do livro “O Sedutor do Sertão” que estão logo abaixo.

O grupo musical é uma das faces do movimento armorial, criado por Ariano Suassuna em 1970 e que pretendia fazer uma arte erudita a partir da cultura popular. Já “O Sedutor do Sertão” é um romance inédito do autor, escrito em 1966 como roteiro para um filme nunca produzido —mas que agora ganha a forma de livro, que chega às livrarias na próxima semana.

TRECHOS

“À noite, houve festa grossa no Sapo. Malaquias Pavão e Miguel Biôco chegaram lá, de viola a tiracolo e acompanhados por dois Cantadores, além dum esquenta-mulher que eles tinham arranjado para animar a festa”

“Malaquias, guiado por sua boa estrela, tinha armado sua lona bem em frente da melhor casa do Jerimum. Ali morava o Coronel Marcolino, chefe político do lugar, e aquele acaso iria ser altamente propício ao Sedutor do Sertão”

O casamento quase perfeito entre texto e melodia não é acaso ou mera captação de um espírito da época. Ao contrário. É um movimento consciente de Suassuna, que encarava sua produção artística como algo mais coeso do que um amontoado de coisas.

Embora cada publicação (e, aí, levando em conta romances, poemas, peças e até pinturas) possa ser vista de maneira independente, elas formam partes de um mesmo quebra-cabeça ou, na definição do autor, de uma “ilumiara”.

Essa unidade que forma uma certa obra total foi sendo lapidada ao longo das décadas por Suassuna, conhecido por ajustar e reescrever constantemente seus textos. Não à toa, na edição de 2004 de “A Pedra do Reino”, por exemplo, ele acrescentou João Grilo e Chicó na narrativa, personagens mais do que célebres de “Auto da Compadecida”.

O esforço teve um de seus ápices em 2013, um ano antes de sua morte. Na época, o artista paraibano tinha sofrido um infarto agudo do miocárdio e reuniu em sua casa o filho Manuel Dantas Suassuna e o professor da Universidade Federal de Pernambuco Carlos Newton Junior.

“Foi duro. Ele passou a manhã inteira nos preparando sobre como conduzir a obra dele depois que morresse”, lembra Manuel.

Suassuna queria que toda a produção fosse reunida em uma única editora, com o mesmo projeto gráfico. “Para que não fosse lançado só o que já era sucesso de crítica, mas também os inéditos e os esgotados”, conta Junior.

É nesse contexto que a Nova Fronteira republicou “Romance d’A Pedra do Reino”, considerada sua obra-prima. Em 2018, foi a vez de “Teatro Completo”, com 1.890 páginas e 12 textos inéditos.

É desse desdobramento também que chega às livrarias o romance “O Sedutor do Sertão ou o Grande Golpe da Mulher e da Malvada”. Escrito em 1966, enquanto produzia “A Pedra do Reino”, ele não é só a base de um roteiro cinematográfico nunca rodado.

A história traz Malaquias Pavão, ao mesmo tempo herói e um sedutor quase mau-caráter, que surge em “A Pedra do Reino” como Malaquias Nicolau Pavão Quaderna, um dos irmãos do narrador.

Como se passa anos antes dos fatos de “A Pedra”, o novo romance pode ser visto como um prelúdio da famosa trama —ou outra das peças que formam a “ilumiara” do autor.

Recheado do humor de Suassuna, a edição de “O Sedutor do Sertão” é costurada por cerca de 50 ilustrações feitas por Manuel Dantas Suassuna. “Fiz tudo em quatro dias”, diz.

Se “O Sedutor” é uma peça do quebra-cabeça de Suassuna, ela não forma somente a obra total do autor —também ajuda a dar contornos à trajetória familiar do artista e até à história do Brasil.

O romance tem como pano de fundo o ano de 1930 na Paraíba, quando sertanejos se revoltaram contra o governador, João Pessoa —instabilidade política que acabaria com o assassinato do político e o golpe que levou Getúlio Vargas à Presidência.

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