Filme brasileiro “Todos os Mortos” concorre ao Urso de Ouro
O longa mostra os embates das mulheres de uma família branca e outra negra no período posterior à abolição da escravidão no país
Representante brasileiro na competição pelo Urso de Ouro do 70º Festival de Berlim, Todos os Mortos foi exibido no domingo (23) na mostra alemã. Escrito e dirigido por Marco Dutra e Caetano Gotardo, o longa mostra os embates – em torno de reconhecimento e sobrevivência – das mulheres de uma família branca e outra negra no período imediatamente posterior à abolição da escravidão no país.
Gotardo afirmou, em entrevista coletiva logo após a sessão do filme para a imprensa, que a ideia inicial dos diretores era “pensar sobre a estrutura social nesse período determinado do fim da escravidão, uma estrutura que ainda está muito presente na nossa sociedade”.
O diretor disse que “quando se pensa sobre estrutura social no Brasil, é preciso falar sobre raça” e pontuou que não se trata apenas “de falar sobre negritude, mas também sobre a ideia do branco, essa ideia opressiva de que o branco é o neutro”.
Para exemplificar seu argumento, Gotardo afirmou que, se um roteiro brasileiro não menciona especificamente a raça de uma personagem, supõe-se que ela seja branca. “Isso não faz sentido. Queríamos olhar para isso no Brasil.”
Questionados se o dramaturgo Anton Tchekhov (1860-1904) havia sido uma influência para seu filme, os diretores se disseram admiradores da obra do russo. Gotardo apontou “dois elementos” característicos da escrita de Tchekhov que “têm a ver com os personagens” de Todos os mortos.
SUBJETIVIDADE
“Queríamos construir personagens complexos. E, em Tchekhov, cada personagem, por menor que seja, tem uma profunda vida interior, tem sua luz e sua subjetividade. Cada personagem de Tchekhov também representa uma linha de pensamento. E queríamos que nossos personagens tivessem isso – visões diferentes e modos distintos de compreender o mundo”, afirmou.
O diretor chamou a atenção para o fato de que a edição 2020 do Festival de Berlim selecionou 19 filmes brasileiros (escalados em diversas seções paralelas à competição pelo Urso) e que o Festival de Roterdã (22/1 a 2/2) programou 12 títulos nacionais. “O fato de termos filmes brasileiros em cada festival internacional importante mostra que temos um cinema diverso no Brasil hoje. Nosso cinema atingiu um equilíbrio e começou a ter uma narrativa mais plural e interessante. Estamos apresentando um filme que não é uma exceção, mas parte de um movimento artístico que está em curso no Brasil. Ainda não chegamos ao ponto ideal, mas ganhamos força”, afirmou.
Prosseguindo sua análise sobre o quadro atual da produção cinematográfica brasileira, Gotardo afirmou que “agora esse cinema está sob ataque. É importante estar aqui e mostrar esses filmes numa vitrine internacional e também mostrá-los internamente com sucesso comercial, para nos dar energia para continuar fazendo filmes e lutar contra esse ataque. Estar aqui com tantos filmes é um ato de resistência, tem um peso simbólico”.