São João

A “invasão” das mulheres como mestres de Bumba Meu Boi

Após décadas de protagonismo masculino, as mulheres têm feito crescido em importância no Bumba Meu Boi maranhense

Reprodução

“Antigamente quase não tinha mulher.” A lembrança, que é unanimidade para quem já beira ou ultrapassou os 30 anos de vivência no Bumba Meu Boi, também testemunha que as coisas estão mudando.

Além de índias, vaqueiras e até amas do boi, alguns grupos maranhenses já se acostumaram ao comando das mulheres.

“Antigamente, dançavam só homens no Bumba Meu Boi. Daí foram inserindo índias, que foi na época do meu pai. Eu, como comandante do boi de Axixá, foi naturalmente”, conta Leila Naiva, hoje presidente do Boi de Axixá e “herdeira do legado de meu pai, Francisco Naiva, o fundador”, completa.

Maria José Soares, presidente do Boi de Maracanã, também foi a escolhida para assumir no lugar do mestre Humberto, que faleceu em 2015. Antes disso, ela aprendeu o ofício por mais de dez anos.

“A partir de 96 eu comecei a tomar de conta do Maracanã. A cuidar mais das coisas do Maracanã, a ajudar o mestre Humberto. Ele sentiu a necessidade, que precisava de alguém para ajudar ele; e São João me mostrou para ajudá-los”, disse.

Protagonismo feminino

Com mestrado acadêmico em Cultura, a pesquisadora Marla Silveira tem se debruçado sobre a liderança feminina nos grupos. De acordo com ela, a presença feminina passou muito tempo despercebida, especialmente pelo olhar masculino predominante nos registros sobre a manifestação popular.

“Não há certeza sobre não haver mulheres anteriormente em posições de liderança nos grupos, especialmente porque os estudos eram feitos por homens”, ressalta.

Para ela, um dos fatores que colabora para a visibilidade feminina nos grupos atualmente é o fato de grupos tradicionais terem sido assumidos por mulheres.

“Recentemente, o protagonismo feminino se tornou mais evidente porque passaram também a comandar grupos que eram tradicionalmente comandados por homens, pelos mestres. São grupos com maior tempo de história e muito relevantes”, apontou.

Reboliço

Dona Nadir Cruz assumiu a presidência do Boi da Floresta em 2015, com a morte de Mestre Apolônio. Antes disso, ainda nos anos 80, assumiu como secretária do boi, cargo que gerou reboliço.

“A diretoria era toda masculina e aí chegou um dia, uma reunião lá no barracão e me chamaram para eu participar. Me perguntaram se eu queria ser a secretária do boi. Eu quero, o que a secretária faz? Tudo que você já está fazendo. E eu fiquei com o cargo”, disse.

“Isso causou um certo rebuliço porque, como o Boi era comandado por homens, as únicas mulheres que acompanhavam eram as mutucas”, completou Dona Nadir lembrando o papel de auxiliares dos brincantes homens que as mutucas ocupavam.

Para Leila Naiva, a liderança do grupo foi um desafio, e houve quem duvidasse que daria certo. “O próprio tio Donato. Eu sempre fui avoadinha, elétrica, uma mulher à frente do meu tempo. Teve uma corrida de bicicleta em Axixá e eu fui a única mulher que participou. E tio Donato dizia assim: ‘essa doida vai acabar com o Boi’”, conta.

Nos 28 anos como índia, ela aprendeu não apenas a coreografia ou as toadas. “Eu comecei desde pequeninha, dançando no Boi, daqui eu fui crescendo. Dancei 28 anos como índia. Aprendi essa vivência de como cuidar, como bordar. Eu sei bordar, eu cozinho para o Boi, faço de tudo”, disse Leila.

Dona Maria também sabe “de tudo um pouco” no Maracanã. Com ela, houve a transição. “Eu não encontrei tanta dificuldade, porque eu tinha um mestre aqui do lado ele delegou essa função aqui para mim, passou, cuidou com as outras pessoas, as outras pessoas concordaram, tiveram bons olhos para isso”, disse.

Apesar do machismo que ainda enfrentam, o domínio das artes envolvidas nos grupos e os resultados são superiores às dificuldades. “Graças a Deus, hoje a gente tem depoimentos de pessoas que dizem que melhorou depois da minha administração. Melhorou e vem melhorando e vamos fazer muito mais”, declarou Leila.

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