Uma caminhada com flores e lutas
A vida de pais que têm filhos autistas é árdua e longa. Cada pequena conquista se torna grandiosa para quem tem o desafio diário de driblar obstáculos e preconceitos
“Esse dia não tem sido comemorado com muita alegria, pois só falamos dos problemas, dos preconceitos e das discriminações. Gostaria de fazer uma homenagem com música! Muitos pais de autistas são carentes disso. Então, quero que seja diferente, queridos amigos, a nossa missão enquanto artistas é espalhar amor, alegria, conscientizar as pessoas, e este é mais um momento pra isso”.
O pedido é da cantora Regina Oliveira, mãe de Victor Oliveira, 17 anos (foto). Victor participou recentemente de um clip com a cantora Anna Torres, na música Consciência (de Anna Torres e Ieda de Oliveira), tocando piano.
A música, que fala sobre o autismo, inspirou Regina a usá-la em uma campanha nas redes sociais para que a mensagem de conscientização e de otimismo seja compartilhada com todos. “A arte transforma almas e o meu Victor é a prova disso. Estou tentando criar um mundo melhor para o meu filho todos os dias”, diz a artista.
Victor toca vários instrumentos: sax, violão, piano, bateria, pandeiro. Segundo a mãe, é através da música que ele se conecta com o mundo. “Ele pode fazer tudo que ele quiser. Todo autista tem as suas potencialidades e seus fracassos. Ele tem esse dom de conseguir tocar qualquer instrumento. Anna Torres fez esse convite para ele participar do clipe com ela, mandou as partituras. Em dois dias, ele pegou a música e nós fizemos a parte dele, a base, em estúdio. O resultado foi uma edição lindíssima que me emociona a todo momento”, diz Regina.
Em mundo em que há cerca de 70 milhões de autistas, 2 milhões no Brasil e 7 mil no Maranhão – segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) –, políticas públicas e ações de inclusão têm sido implementadas, mas ainda não é o bastante. Hoje, 2 de abril, Dia Mundial de Conscientização do Autismo, marca um dia de luta.
No Maranhão, o governo do estado anunciou no início do ano a ampliação do serviço intensivo de assistência a pessoas com Transtorno do Espectro do Autista (TEA).
O serviço, inaugurado em abril de 2017 no Centro Especializado em Reabilitação e Promoção da Saúde (CER) do Olho d’Água, oferece abordagem diferenciada para pacientes autistas, atendidos cinco vezes na semana com terapia baseada em ABA (ramo aplicado da ciência da análise do comportamento), abordagem mais eficaz e reconhecida para assistência de crianças autistas.
Segundo Darly Machado, conselheira municipal da Criança e do Adolescente (CMCDA) e presidente da Associação de Amigos do Autista do Maranhão (AMA), a iniciativa do governo do estado em atender e acompanhar as crianças autistas é inegável, mas pondera que com o atendimento até os 12 anos, o público adolescente, jovem e adulto fica desassistido de políticas públicas.
“O autismo não tem cura. Eles precisam de tratamento, acompanhamento e qualidade de vida também depois dos 12 anos. E dentro de casa um jovem, adolescente até piora. Clínicas, especialistas, tratamento, atividades particulares para o autista jovem e adulto são muito caros. Até 12 anos eles são bem assistidos pelo CER, mas, e depois? Meu filho tem 17 anos e só tem atendimento porque está na AMA”, lamenta.
Dia de luta e conscientização
Cláudio Felipe, o filho de Darly Machado, só conseguiu ir para a escola aos 8 anos, mas não foi uma experiência muito boa. Darly conta que um certo dia foi à escola e encontrou o filho debaixo de uma mesa, encolhido e feito xixi. “Era uma escola até bem conceituada, de renome. Fui lá sem avisar e quando o vi naquela situação só o peguei pelo braço e nunca mais voltei lá. É difícil e complexo ter um filho autista. É uma luta infinita”, atesta.
É para ajudar jovens como o Cláudio, que estão sem ir à escola ou fazer outra atividade, que entra o trabalho da AMA, enquanto terceiro setor, oferendo ações capazes de tirar o autista de dentro de casa. A Associação conseguiu, por meio de um projeto do CMDCA, recursos do Fundo da Criança e do Adolescente até março de 2020 para desenvolver atividades como arte terapia, atendimento terapêutico, entre outras, para 40 crianças e adolescente com autismo. “A gente age onde a política pública não entra. Com isso, nos fazemos a terapia ABA e envolve também a psicanálise; além da arte terapia, como pintura, desenho, mas tudo bem simples, porque não temos recursos, e com o propósito de tirar o jovem, o adulto de dentro de casa. Eles têm direito de viver em sociedade”, diz Darly Machado, especialista em Educação. Atualmente, a AMA tem 300 famílias cadastradas. Para marcar o dia de hoje, a AMA vai fazer uma caminhada às 8h30, pelas ruas próximas à sede (no Jardim São Cristóvão), em seguida haverá um café da manhã e ainda uma palestra com uma assistente social da Defensoria Pública Estadual. “Não é dia de comemoração. É dia de luta, de conscientização para as pessoas de que nossos filhos não são doentes, não são estranhos, não são loucos. É só o que a gente quer dizer. Eles têm direitos e garantias previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e merecem respeito”, finaliza Darly.