LUTO NO SAMBA

Beth Carvalho morre no Rio de Janeiro aos 72 anos

Cantora estava com apresentação marcada para o dia 5 de maio, dia do aniversário dela, na casa de shows Vivo Rio

Reprodução

A cantora Beth Carvalho morreu nesta terça-feira (30) depois de dois meses internada. A informação foi confirmada pelo empresário da sambista, Afonso Carvalho. Em seu comunicado, ele afirmou que Beth, de 72 anos, morreu às 17h33m cercada de do amor de seus familiares e amigos.

“Agradecemos todas as manifestações de carinho e solidariedade nesse momento. Beth deixa um legado inestimável para a música popular brasileira e sempre será lembrada por sua luta pela cultura e pelo povo brasileiro. Seu talento nos presenteou com a revelação de inúmeros compositores e artistas que estão aí na estrada do sucesso. Começando com o sucesso arrebatador de “Andança”, até chegar a Marte com “Coisinha do Pai”, Beth traçou uma trajetória vitoriosa laureada por vários prêmios, inclusive um Grammy pelo conjunto da obra. Assim que possível, informaremos sobre o sepultamento”, disse no comunicado.

Na segunda-feira (29), a apresentação da cantora Beth Carvalho, que estava marcada para o dia 5 de maio, dia do aniversário dela, na casa de shows Vivo Rio, foi cancelada por recomendações médicas. A sambista estava internada num hospital da Zona Sul do Rio de Janeiro há dois meses. O Vivo Rio informou que os ingressos adquiridos serão reembolsados.

O último show da sambista, de 72 anos, no Rio de Janeiro, foi em outubro do ano passado, no Oktoberfest Rio. Durante toda a apresentação, ela esteve deitada numa cama. Há anos, ela enfrenta problemas na coluna que, cada vez mais, limitam sua locomoção e provocam internações. No início deste ano, Beth esteve internada num hospital da Zona Sul para tratar, mais uma vez, do problema de saúde.

Aonde ela foi, sambista nenhum jamais chegou: Marte. Em 1997, a interpretação de BethCarvalho para “Coisinha do pai”, de Jorge Aragão, foi escolhida pela Nasa para “acordar” o robô Sojourner, enviado em missão ao planeta vermelho.

Beth despertou para o mundo no mesmo lugar que serviu de berço para o samba. Elizabeth Santos Leal de Carvalho nasceu, dia 5 de maio de 1946, no bairro da Gamboa, região portuária do Rio de Janeiro, área onde o samba surgiu, no começo do século passado. Mas Beth foi criada mesmo na Zona Sul, onde desenvolveu três paixões: o Botafogo, a Mangueira e o PDT de Leonel Brizola.

A música estava próxima desde o começo. A avó tocava bandolim e violão; a irmã cantava. Beth ouvia desde cedo a Rádio Nacional, mas também tinha música ao vivo em casa. O pai, advogado, era amigo de cantores, que frequentavam a casa da família. Beth ouviu do sofá gente como Silvio Caldas e Elizeth Cardoso.

No carnaval, subia num caixote com a mãe para ver a Mangueira passar, numa época em que a Portela ganhava todos os carnavais. Decorava todos os sambas-enredo do ano. Só ficou difícil quando, aos 17 anos, arrumou um namorado que odiava a folia. Numa terça-feira gorda, ao se ver sozinha em casa, Beth não pensou duas vezes: vestiu a fantasia de havaiana, ligou a TV e sambou até de madrugada.

Apesar de ser intérprete de um ritmo vindo das classes populares, a família de Beth tinha uma vida financeira boa. A menina, ainda criança, estudou balé clássico e frequentou um curso de etiqueta para mulheres. Tinha aulas de como segurar um guarda-chuva, usar garfo e faca e entrar ou sair de um automóvel — com classe.

Só que o golpe militar, em 1964, trouxe problemas para a família da cantora: seu pai, fã de Lênin, foi demitido do cargo que ocupava no Ministério da Fazenda. Aí o dinheiro faltou na casa dos Carvalho. Beth começou a dar aulas de violão para ajudar os pais.

O início de tudo

Como cantora, não começou com o samba, mas com a bossa nova. Encantada por João Gilberto, se apresentou com o ritmo em festivais universitários e shows. Chegou a gravar um compacto, em 1965, em que interpretava “Por que morrer de amor?”, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Mas no ano seguinte já se aproximava do ritmo que a consagrou, participando do show “A hora e a vez do samba”, com Nelson Sargento e Noca da Portela.

Fez gravações históricas de mestres do samba, como Nelson Cavaquinho, Cartola, Nelson Sargento e Carlos Cachaça. O desejo de buscar o samba onde ele estivesse a levou à quadra do Cacique de Ramos, em Olaria, no momento em que despontava uma geração de novos talentos ali — e mais que isso, de uma nova forma de tocar samba, usando instrumentos como banjo e repique de mão. Acabou por revelar artistas ligados ao Cacique, como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Almir Guineto e Jorge Aragão. Ao longo da carreira, continuou a chamar a atenção para novos talentos que surgiam, como Mariene de Castro e Quinteto em Branco e Preto, sem deixar nunca de gravar os bambas pioneiros. Tinha, por isso, o apelido de madrinha, do qual gostava, mas com reservas. Sempre achou um absurdo, no Brasil, artistas como Cartola precisarem de padrinhos para ser reconhecidos.

Problema na coluna

Em 2007, a cantora brigou com sua escola de samba do coração. Por conta dos problemas na coluna, pediu espaço em um carro alegórico, já que não conseguiria desfilar a pé. Ao chegar a hora do desfile, foi impedida de subir no carro, sob argumento de não ser “um baluarte”. Beth ficou magoada, disse só voltar a desfilar na verde-e-rosa se recebesse um pedido de desculpas — que não veio. No ano seguinte, saiu na Viradouro, que homenageou Cartola.

Já 2009 foi um ano melhor. Beth foi homenageada no Grammy Latino, em Las Vegas, ocasião em que recebeu o “Lifetime achievement award”, prêmio do Grammy por sua carreira completa. No mesmo ano, veio o pedido de desculpas da Mangueira. O novo presidente à época, Ivo Meirelles, assumiu a escola e convidou Beth para a homenagem que a Mangueira faria a Nelson Cavaquinho no carnaval do ano seguinte. A cantora desfilou de cadeira de rodas.

A cadeira de rodas mostrava uma piora no problema de coluna. Beth Carvalho havia fissurado o sacro, osso na base da coluna. Precisou colocar dois parafusos para ajudar na calcificação. Brincava que, além de interplanetária, tinha virado “uma mulher biônica”. Só com bom humor mesmo para dar conta dos 18 meses em que precisou ficar de cama, por conta da lesão. Voltou aos palcos em 2011, mesmo ano em que lançou “Nosso samba tá na rua”, seu álbum mais recente. Em 2012, ganhou o Grammy Latino pelo CD

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