Melhor idade

Arte na melhor idade

Idosos que moram em asilos usam a arte como terapia. Os dois personagens da reportagem, embora com histórias de vida diferentes, escolheram estar entre quadros, telas, tintas, lápis e pinceis

Honório Moreira

Enquanto estava conver­sando com um arquite­to, que tem por hobby as artes plásticas e o ensi­no da matemática, vários es­tudantes em visita ao Asilo de Mendicidade do São Francis­co se admiravam das dezenas de obras de arte penduradas nas paredes do pequeno alo­jamento daquela instituição.

E é mesmo de se admirar. O responsável pela beleza dos quadros é Ithamar Monteiro Nunes, 79 anos, dono de uma criatividade invejável. Há mais de 20 anos ele se dedica inte­gralmente à pintura, embora diga muitas vezes que não é artista. “Eu sou arquiteto, não artista. Pinto quadros, paisa­gens, retratos, natureza morta, mas minha profissão é arquite­to. E também gosto de ensinar matemática”, confirma.

Com aptidão para desenho desde criança, seu Ithamar as­sim que terminou o antigo se­gundo grau queria fazer o curso de arquitetura. Como na época o curso não era oferecido em São Luís, ele se mudou para o Rio de Janeiro. Lá ficou por 45 anos, onde, depois de forma­do, montou escritório. Mas foi depois de um acidente de trân­sito, em que precisou usar uma prótese na perna esquerda, que seu Ithamar resolveu voltar a São Luís. Depois de algum tem­po morando com a irmã mais velha, decidiu que seria me­lhor ir para um Asilo, em bus­ca de paz e tranquilidade. E lá se vão mais de 20 anos, tempo em que se entregou aos pincéis, telas e tintas.

“Eu vim por conta própria, depois de ter tido problemas pessoais e familiares, para ter um pouco de sossego. Bom, sos­sego não tenho muito, porque toda hora entra gente aqui, mas eu gosto, gosto de receber visitas”, conta.
Logo que ele chegou e co­meçou a pintar, percebeu-se que ele precisava de um espa­ço só dele. O pavilhão em que mora é também ateliê e o lo­cal onde ele ministra as aulas de pintura e matemática. Ele tem alunos e visitantes todos os dias de todas as idades e clas­ses sociais, o que faz com que nunca se sinta só. “Esse aqui é meu espaço, onde crio, expo­nho, dou aulas, recebo visitas. Desde as 6h, quando acordo, até finalzinho da tarde, tem sem­pre movimentação.Vem gente de toda parte”, conta.

Ele cita casos como o de uma senhora de 84 anos que aprendeu a pintar com ele e o do médico Aníbal Vidal que também já passou por lá. Como explicar tanto talento? “Eu já nasci assim. Não aprendi com ninguém. Meu primeiro quadro foi quando tinha dez anos. Eu pintei um coelho, nunca me esqueci”, lem­bra. Mas depois, recorda: “Acho que é influência da mi­nha mãe que pin­tava os panos para o altar da igreja”, completa.

O ateliê é repleto de obras dele e de seus alunos, livros e materiais de trabalho. Sobre uma estante, ele aponta uma pilha de livros e re­vistas da maçonaria. Exibe tudo com muito orgulho, mostrando os livros e as revistas publicadas pela maçonaria, cujas capas foram ilustradas por ele. “É só me dar um tema que eu faço as capas. Ilustro há mais de 20 anos. Quan­to aos livros, sempre estou lendo alguma coisa, ganho mui­tos”, diz.

Inspiração que vem da alma

A técnica utilizada por Ithamar é óleo sobre tela e óleo sobre eucatex. Suas pinturas impressionam pelo realismo. Cada detalhe beirando o real é feito com traços firmes e ao mesmo tempo suaves. A inspiração para cada desenho, seu Ithamar diz que vem normalmente. “Eu pego o pincel e a coisa vem naturalmente. Não gosto de copiar nada. Pinto o que me vem ao coração. Acho que a natureza também me inspira”, conta.
Ele já fez algumas exposições em locais fora do asilo. Mas é lá que ele mantém seu acervo particular, e diz orgulhoso possuir pelo menos 20 telas no Museu de Arte e História da Maçonaria, que fica localizado dentro do asilo.

Entre flores e pincéis

Em outro asilo, no Solar do Outono (Cohab), seu José Ribeiro dos Santos, 64 anos, é artista e jardineiro. Quan­do não está pintando ou de­senhando, está plantando ou cuidando do jardim do asilo. Isso para ele é algo que não consegue explicar: “É que gos­to de fazer, gosto de natureza, de planta”. Muito risonho, tímido e educado, seu Ribeiro, como é conhecido, está no asilo há três anos. Ele não gosta mui­to de falar do passado, mas conta que foi lavrador e cui­dava de roça.

Há dois anos, começou a desenhar por influência das profissionais do local, que o ensinaram a desenhar e de­ram o material que precisava. No começo, ele lembra que os desenhos eram bem sim­ples, mas chamou a atenção da equipe a forma como eram desenhadas as expressões das mulheres que ele desenhava, muitas bem agressivas e gro­tescas, ou ainda uma figura de um gato aprisionado em uma jaula. Talvez, pondera seu Ri­beiro, esses desenhos pudes­sem ser um retrato do que ele viveu, mas ele não gosta mui­to de falar sobre isso.

O jardineiro José Santos descobriu que também tinha aptidão para arte ao se expressar por desenhos

Além das gravuras, ele de­senha também sobre telhas e faz colagens. “Antes eu olha­va alguma coisa e reproduzia. Agora, não, eu crio. Gosto mui­to de coisas brilhantes, colori­das”. Também dá pra perceber a predominância da cor ama­rela nas peças dele.

Seus trabalhos já fizeram parte de uma exposição do asilo e também já foram da­dos por ele como recordação para os visitantes. A produ­ção é acelerada, mas precisa de um momento apropriado. “Se me dá vontade de dese­nhar, eu desenho. Mas não gosto de muito barulho. Eu gosto de me sentar no meu quarto, botar uma música e trabalhar. Isso que eu gos­to”, declara.

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