Um quadrinhista maranhense e os desafios da carreira internacional
Ronilson Freire já desenhou histórias para grandes editoras americanas. Agora está mostrando seu talento na Europa e no Canadá
A chuva torrencial que desabava no Maiobão não impedia que Ronilson Freire e eu conversássemos sobre quadrinhos, CCXP – Comic Con Experience, ocorrida em São Paulo, entre 1º e 4 de dezembro, novos projetos, artistas brasileiros e até perspectivas para os quadrinhos no Brasil, entre outras ideias e desejos de produzir mais arte do que o dia de 24 horas permite. Ronilson Freire é um quadrinhista maranhense em plena ascensão. Ele já desenhou histórias para algumas editoras americanas em parceria com roteiristas de peso como Stephen Bisset (Swamp Thing), Mark Waid (The Flash), Chuck Dixon, Peter Milligan (Constantine), Grant Morrison e vários outros e agora está mostrando seu talento na Europa e no Canadá. Antes disso, quando ainda não era famoso, desenhou Balaiada – A Guerra do Maranhão e Ajurujuba – A fundação da cidade de São Luís, publicados aqui mesmo, por essas plagas. Mas ninguém melhor do que ele para falar sobre a participação na ComicCon Experience, novos projetos e desafios.
“Eu fui contratado para desenhar exclusivamente o Green Hornet. Foi o projeto mais ambicioso dentre os que vieram em seguida”
Ronilson Freire, quadrinhista maranhense
Você chegou recentemente da Comic Con Experience, ou CCXP, que é um dos maiores eventos de cultura pop do mundo. Você não só levou seu trabalho como teve contato com a nata dos artistas que fazem quadrinhos hoje no Brasil. Fale dessa experiência de ter ido à ComicCon.
O bom da Comic Con é justamente isso, agregar. Acontece uma vez por ano, no Brasil; é o primeiro evento e o maior, nesse aspecto; é o encontro com editores, agentes, desenhistas, ilustradores, quadrinhistas, as grandes produtoras de cinema mundial com lançamentos oficiais, aquela coisa toda. E o bacana é que ela está abrindo muito espaço para autores independentes brasileiros. Achei muito bacana o painel do autor do ‘Doutrinador’, um personagem que tem um potencial incrível. Agora, com relação à nossa mesa e os projetos da Glass House e da House 137, a gente não pode deixar de falar sobre isso.
House 137? Explica isso.
House 137 é um projeto do Paulo Teles, meu agente e gerente da Glass House Graphics no Brasil. A principal função da House137, além de ser uma escola de arte, promotora de eventos ligados ao mundo dos quadrinhos e editora, é trabalhar o marketing dos artistas envolvidos em seus projetos. Em 2016 a House organizou uma exposição de artes originais em Manaus com vários artistas agenciados pela Glass House sob sua gerência, alguns brasileiros e outros estrangeiros. O projeto mais recente, como editora, foi o lançamento da coletânea Zombie [Side], com arte e roteiros de vários artistas da Glass House, inclusive com roteiristas da Marvel Comics. Foi muito legal participar desse projeto. O lançamento oficial aconteceu na Comic Con Experience em dezembro de 2016.
É uma parceria de sucesso então?
O Paulo é um cara que me deu muita força e um impulso na minha carreira, que alavancou sob a gerência dele. Em seis meses que estava na gerência, ele já me jogou na Dynamite, num projeto com o roteirista Mark Waid. Ele sabe fazer a coisa acontecer. Um cara que eu admiro muito. Após uma longa temporada em São Paulo, ele acabou voltando pra Manaus, mas continuou como gerente da Glass, afinal, hoje, com a internet, você pode fazer isso de qualquer parte do mundo. E com toda essa facilidade e logística, surgiu a ideia de fundar uma escola, a House 137.
E os novos projetos?
Atualmente desenho “A Múmia”, pra Titan Comics, uma grande editora da Inglaterra. Os roteiros ficaram a cargo do Peter Milligan, roteirista da série “Hellblazer” da DC Comics. É um projeto ousado em parceria com a produtora Hammer Filmes. Paralelo a isso, tenho contratos com um editor independente no Canadá desenhando a série “Royal Blood”. Uma história sobre a Inquisição na Idade Média. Outro projeto bem interessante em que estou envolvido é pra um editor nos Estados Unidos, que se chama “The Black Water Society”; uma graphic novel de luxo sobre vampiros com aproximadamente 100 páginas. O mercado é amplo, dá pra fazer muita coisa.
Então novos horizontes estão se descortinando?
Bom… o bacana da coisa é que o mercado está bem mais aberto. Eu já percebi isso faz uns dois anos. Quando eu terminei o meu contrato de exclusividade com a Dynamite, isso por volta de 2014.
O que tu fizeste para eles?
Eu fui contratado para desenhar exclusivamente o Green Hornet. Foi o projeto mais ambicioso dentre os que vieram em seguida. Foram dez edições roteirizadas pelo Mark Waid. E depois das dez edições, como o contrato era de dois anos, eles teriam que passar obrigatoriamente mais coisas… mas eu passei mais de dois meses sem trabalho, sem nada. Aí, depois de dois meses, passaram uma história da Vampirella, nove páginas, nem cumpriram o contrato, que deveria ser de vinte e duas páginas, e no mês seguinte mais nove. Ou seja, em dois meses eu fiz dezoito páginas, bem abaixo do que a editora deveria me passar.
Que é quase nada?
Não é nem uma edição. E depois disso mais dois meses… quer dizer, fiquei o resto de 2014 sem trabalho… Aí, eles se sentiram responsáveis por isso e passaram mais uma minissérie de sete edições, também com roteiro de Mark Waid, Chamava-se “Justice Inc”. A série foi licenciada pela DC Comics nos anos 80 e posteriormente pela Dynamite. A Dynamite estava passando por problemas financeiros nessa época. Surgiram rumores de que a editora poderia ser vendida para a DC Comics. Acabou que não aconteceu. Aí eu fiz mais um crossover de uns três ou quatro personagens.
Nada disso sai no Brasil?
Nada sai. O grande problema é que no Brasil, o brasileiro não lê tanto quanto os norte americanos e europeus, mas também ele foi incentivado a não ler … pelo menos é a minha teoria. Junte a isso a nossa economia na UTI, fica muito caro e inviável publicar no Brasil o que sai no exterior.
Só Marvel e DC…
Nem Marvel e DC vendem tanto no Brasil. Não é à toa que não se publica no Brasil nem um quarto do que se vende nos estados Unidos ou Europa. Não é culpar ninguém. Até porque eu não tenho essa resposta. Nem Marvel e DC vendem tanto no Brasil. Nos Estados unidos, uma edição sai com 60 mil, 70 mil exemplares…
Bom… Eu li num site sobre HQ que a última edição de Asterix, na França, saiu com 1 milhão de exemplares…
O europeu lê bastante. Quanto aos americanos, eles também são bons em fabricar seu próprio sucesso, em inflar seus números. Eles têm uns macetes. Tem um exemplo bem clássico. Conta-se que a Image Comics lançou a edição 01 de Spawn com 1 milhão de cópias vendidas. Estourou nos Estados Unidos! Aí, quando fui à Comic Con em São Paulo, um amigo meu me disse que a história não era bem assim. Na verdade, eles “maquiaram” o sucesso deles. Eles na verdade saíram comprando os exemplares. Ouvi dizer até que os exemplares foram incinerados pra criar a lenda de que vendeu tudo. Uma grande jogada de marketing. Se é lenda ou verdade…
Tu estás agora no mercado europeu e canadense?
Eu estou trabalhando para um cara que é cineasta, o Maurrice. Trabalho eu e outro artista brasileiro. É um mercado aberto, alternativo, que paga bem. O bacana é que é uma história que se passa na Idade Média, na época da inquisição. É um quadrinho bem autoral, mesmo. Vale a pena.
Lógico. Então, voltemos à House 137 e aos projetos?
A grande sacada para o ano que vem é um projeto bem diferenciado, bem ousado, mas que tem um potencial incrível, que é um personagem criado por um amigo nosso, chamado “Coveiro Maldito”. O cara faz um personagem bem “freakshow”, com uma vertente voltada para o ocultismo, e com elementos da nossa brasilidade… Umbanda, candomblé… Terror, misticismo, filosofia. O projeto é bem interessante porque o camarada… Infelizmente ou felizmente eu só conheço o Coveiro Maldito porque a grande sacada é ele não revelar o nome dele. Ele incorpora o personagem, mesmo, acho que já tem uns cinco anos… Tanto é que a gente não conhece nem o rosto dele, a identidade dele, o nome. Ele tá bombando nas redes sociais. Tem, sei lá, milhares de seguidores na internet e tem um potencial incrível, inclusive como personagem de quadrinhos, série de TV, cinema… Enfim, resumindo, o projeto pro ano que vem é trazer pros comics, histórias em quadrinhos, todo um universo apocalíptico do Coveiro Maldito.