ARTIGO//OPINIÃO

“A cidade não merece”

Artigo do jornalista Sebastião Jorge publicado na edição deste domingo em O Imparcial.

São Luís de repente tornou-se uma cidade com aspecto triste. Monótona como final de um bom espetáculo, encenado por grandes atores, com uma história que atrai e fascina, mas decepciona pelo enredo. Tão triste quanto a quarta-feira de cinzas, depois de um carnaval alegre e um romance nascido da folia, repleto de carícias e promessas. Votos pela realização. Em caso negativo é só esperar pelo próximo Rei Momo.
São Luís é encantadora, atraente e em tempos idos, conquistava o visitante, que se derretia de amores pelo que olhava. Um cenário deslumbrante. Tão elogiada que ultrapassamos as fronteiras da fama. Atraiu a curiosidade de muita gente, inclusive, do exterior. Nos dias atuais dá a impressão de atravessar momentos que nos levam a compará-la a velório com velas de terceira categoria, sem círios e flores, com choro de carpideiras devotas.
A causa não pode ser outra: abandono, omissão, desprezo dos gestores públicos e falta de sensibilidade dos moradores. Isto se traduz pela falta de respeito por um passado marcante, que nos conduziu a gozarmos o conceito e merecermos reverências… Foram muitos os personagens que atuaram como atores dessa grandeza. Interpretaram episódios sócio-políticos e culturais, com trabalho, coragem e talento.
Deixaram inscritos para sempre, seus nomes na memória maranhense. Os passos marcados na estrada pelos que a pisaram permanece na lembrança, para que seja alargada por novos desbravadores. Em certos aspectos os conterrâneos obtiveram conquistas e em outros, decepção. Muita humilhação pelo dever não cumprido. Não é isso que se espera dos detentores do poder.
Privilegiada pelo espaço geográfica, uma Ilha, redundante dizer, cercada de água e miséria por todos os lados. Não há paisagem igual e tão atraente. Tem como pano de fundo uma extensão de verde, que os invasores de terrenos e construtoras deixaram, como marca do crime. Mutilação impiedosa. Há belas praias (algumas condenadas pela sujeira). A saudosa cantora Dilú Melo numa canção exaltou esse paraíso. Hoje, não faria o mesmo. Não há pôr do sol tão bonito. Até no inverno e sem chuva (não a chuva caiu), quando visto da ponte “José Sarney”, nos surpreende.
São Luís é representada por uma tradição rica que lhe deu status de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade (1997). O reconhecimento coube a um órgão internacional, a Unesco. Infelizmente, não sabemos corresponder ao compromisso e a responsabilidade, para mantê-la com cuidados especiais corrigindo as falhas e omissões. É uma questão de honra à palavra empenhada com o mundo, tratá-la e conservá-la, como a recebemos dos antepassados.
Com pouco mais de 400 anos de fundação o que se observa é uma cidade com casarões e outros bens arquitetônicos vindos abaixo. Muitos não passam de negligência dos proprietários ou poder público. Levantaram portas com tijolos e cimento, para evitar invasões e furtos quanto ao que resta de valor. Bastam os azulejos que retiraram dos beirais e paredes dos casarões.
Há uma notícia que alegra. Prometem por mais uma vez abrir frente de trabalho para reconstituir o que resta. Que a prefeitura, o governo do estado e a União deem às mãos nessa ação meritória. Preocupa-nos a demora no realizar os serviços de recuperação do casario. A chuva não perdoa. Estrago à vista. A parceria com outras instituições públicas e privadas é recomendável. Todos devem igualmente participar. No grito ou no incentivo. Torcemos pela volta de uma cidade digna da fama que ostentou, para orgulho de todos nós.
Por enquanto, como Patrimônio da Humanidade a cidade mergulha em desleixo, no mais perfeito caos, representado pela falta de cuidados e recuperação, centrado, logo, no coração da cidade, a Praça João Lisboa. A Rua de Nazaré não passa de lixo. Uma vergonha.
 
* Sebastião Jorge é jornalista
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