Ostreiros

Livro aborda o trabalho dos vendedores de ostras

Depoimentos revelam particularidades dessas pessoas que andam pelas praias de São Luís

Quem gosta de livros, não só de ler as páginas propriamente ditas, mas de explorar, desde a capa até a contracapa, ver os detalhes, vai entender o que estou falando. Quando peguei Ostreiros (Pitomba! Livros e discos, 2016), do escritor Bruno Azevêdo e da fotojornalista Ana Mendes, a primeira coisa que fiz foi passar a mão na capa. O papel rugoso e a ilustração (de um pedaço de isopor) davam a impressão de que eu ia sentir a textura do isopor (tamanha fiel reprodução), e aguçou a curiosidade para saber o que tinha ali, que histórias reais Ostreiros estava contando e quem eram os protagonistas delas. O lançamento será dia 19 (sexta-feira), às 19h, na Casa de Nhozinho (Praia Grande). Vai haver também uma exposição fotográfica com os registros do livro. Em seguida, a obra será apresentada na cidade de Raposa, porque, para o autor, é importante que eles sejam vistos também na comunidade deles. “Estamos também tentando trazer os personagens do livro, além de servir ostras e cachaça pros visitantes”, afirma Bruno Azevêdo, autor de nove livros, entre eles Monstro Souza, Breganejo Blues e Barracão 66.
São 120 páginas com ilustrações em preto e branco recheadas de depoimentos de vendedores de ostras, ou ostreiros. Não apenas depoimentos, mas sonhos contidos neles, comumente os de uma vida melhor. Bruno consegue extrair relatos emocionantes enquanto, segundo conta, come ostras e toma uma cervejinha acompanhado algumas vezes pelos próprios vendedores.
Os personagens foram aparecendo conforme a vontade de fazer o livro foi surgindo. Certo domingo, no início deste ano, foi à praia como de costume e também como de costume, comeu ostras. Estava com a amiga Tássia, e até então os ostreiros não chamavam a sua atenção. No dia seguinte, à tarde, ele encontrou o mesmo vendedor. “O que é muito difícil, porque eles andam muito. Perguntei alguma coisa pra ele, porque gosto muito de conversar e quis saber se podia fazer uma foto. Então tirei a foto e mandei pra Tássia, que gostou muito. A partir daí comecei a vê-los com outros olhos. Veio a Ana e a gente começou a ir para a praia. De repente, a gente viu e tava saindo o livro”, conta Bruno. O vendedor era Simplício Sousa dos Santos, 44, o Índio, reencontrado por Bruno seis meses depois para entregar o livro. Mas essa história conto mais abaixo.
O primeiro personagem do livro é Walber, pedreiro e carpinteiro, pai de seis filhos que criou tirando sustento da ostra. “Seu Walber usa manga longa, e boné, por conta do sol , e abre as ostras sem olhar. Vou fotografar mais deles”, sentencia Bruno no livro.
E assim foram 33 ostreiros e ostreira (grupo de trabalhadores comuns na paisagem da cidade, extrativistas, comerciantes, pescadores, tirando o sustento com limão e sal, sob chuva ou sol) registrados em depoimentos e fotos ao longo das praias da Raposa, Calhau, Caolho, Olho d’Água, Araçagy. Desses, segundo Bruno, sete vivem exclusivamente de tirar e vender ostras, outros exercem varias profissões durante a semana e no final de semana percorrem as praias com seus inseparáveis isopores e sorrisos nos rostos.
Das histórias, lidas com avidez, pela autora desta reportagem, chama atenção a de Jefferson. Teles, como é conhecido, tem 23 anos e está livre das drogas há dois, conta o livro. Do cigarro que começou a consumir com 12 anos, passando pela bebida, maconha, loló, cocaína e crack, ele quase perdeu a vida para a droga. Frequentou igreja, diz que foi a responsável pela sua redenção e conta o que já passou por causa do vício. “Já roubei, já me prostituí por causa da droga. Não tem quantidade de quantos baculejos a polícia me bateu, me enquadrou por causa da droga”. E em outro ponto afirma: “Deus falou pra mim”. Trabalha em tudo que for necessário e diz ser um homem de negócios. Sonha em ter seu próprio negócio.
A única mulher do livro, ostreira há três meses quando da época da entrevista, aprendeu o ofício com o ex-marido. Francisca Viveiros, a Dinha, 40 anos, ainda é doméstica e vendedora. Sabe se virar. “Tinha outra (mulher ostreira), mas acho que ela não gostou do serviço. Não vi mais ela”, conta no livro.
Das fotos aos textos
Do início, mostrando em fotos o trajeto dos ostreiros desde a captura até a venda, e depois mostrando cenas extras, o livro se costura entre fotos e textos. Depois de finalizado o livro, Bruno foi entregar aos protagonistas. A maioria não sabe ler e Bruno fez questão de ler para eles. Índio, o primeiro a ser fotografado, confessa que começou a ganhar dinheiro e perdeu interesse pelo estudo. “…eu pensei que o dinheiro era mais do que o estudo. Quando foi na hora foi que eu quebrei a cara, porque eu perdi muito emprego por causa disso, tá entendendo?”.
“Para todos que eu li acharam legal que a vida deles de alguma forma foi contada. Isso para quem não lê e é o objeto da leitura, é um momento muito interessante”, acredita Bruno.
O livro está à venda na livraria Poeme-se (Praia Grande), em contato com o próprio escritor, e também nas banquinhas que Bruno sempre leva aos eventos da cidade. Ah, e também nas caixinhas de isopor (tal qual os ostreiros) que ele vai levar de bar em bar, de mesa em mesa.
Essa é a nona publicação do escritor que está em vias de concluir Corno, Assassino, Prisioneiro e Viado, uma sequência do livro Breganejo Blues, que sairá pela Pitomba!, editora de Bruno.
Construção pouco a pouco
O livro levou seis meses para ficar pronto e foi construído passo a passo, com leves pinceladas nas páginas do autor nas redes sociais, dividindo as experiências com outras pessoas e percebendo as reações e o feedback que as postagens causavam, dando o aspecto de construção coletiva. “Penso em livro. Por mais que eu esteja na outras redes, o meu interesse é o livro. Então escrevia o texto ainda na mesa do bar, aproveitando o momento da informação. Talvez por isso ele tenha uma carga de afeto forte”, avalia. Os depoimentos diversos sempre envolveram as histórias de trabalho dos ostreiros. O que cada um faz e como chegou até ali. A maioria herdou da família o ofício e vai passando para outras gerações. Bruno e Ana encontraram filho, pai e avô, ostreiros ativos, mas a história deles não divulga nome, nem foto. O motivo Bruno explica nas últimas páginas.
VER COMENTÁRIOS
Polícia
Concursos e Emprego
Esportes
Entretenimento e Cultura
Saúde
Negócios
Mais Notícias