A equipe do filme brasileiro Aquarius, liderada pelo diretor Kleber Mendonça Filho e pela atriz Sônia Braga, protestou nesta terça-feira contra o “golpe de Estado no Brasil”, durante a estreia do filme em Cannes.
“Um golpe ocorreu no Brasil”, “Resistiremos” e “Brasil não é mais uma democracia” eram alguns dos cartazes que o cineasta e sua equipe seguravam no tapete vermelho, antes de voltar a se manifestar ao grito “Fora!” na sala do Grande Teatro Lumiere, minutos antes da projeção.
Com Sônia Braga no papel de uma mulher que se recusa a deixar de viver do modo como deseja, Aquarius entrou nesta terça-feira na disputa pela Palma de Ouro em Cannes.
O filme do diretor Kleber Mendonça Filho, de 47 anos, foi aplaudido na exibição para a imprensa, antes da projeção no Grande Teatro Lumière, na presença do elenco.
Aos 65 anos, Sônia Braga interpreta Clara, uma ex-crítica musical que mora no Aquarius, um edifício dos anos 1940 construído na orla do Recife, cercada por seus discos, livros e recordações.
As coisas se complicam quando o prédio é adquirido por uma empresa que planeja demolir o edifício para construir um complexo residencial moderno.
Clara rejeita a proposta apresenta pelo promotor imobiliário e, apesar do relacionamento difícil com os filhos e do câncer de mama que a fez perder um seio, ela não está disposta a ceder.
A atriz disse que sua personalidade e a de Clara “se uniram em uma só”. É uma mulher da minha idade que tem três filhos – eu nunca tive filhos, esta seria a diferença – e a situação em que se encontra, a pressão, a luta, o ‘não faça isto’, eu vivi, no Brasil e em toda minha vida”, afirmou.
Testemunho de mudanças violentas
O filme de Mendonça Filho começa com uma série de fotografias em preto e branco do Recife, da época da construção do edifício, um recurso que o diretor também utilizou em seu primeiro longa-metragem, “O Som ao Redor”, premiado em vários festivais e considerado pelo jornal New York Times um dos 10 melhores filmes de 2012.
“Tenho fascínio pelos documentos e arquivos”, disse o diretor.
“Estas fotografias do fim dos anos 1960 e início dos 70, feitas no bairro onde rodamos o filme, são para mim documentos históricos”.
As duas produções mostram as mudanças avassaladoras na paisagem urbana e na vida de seus moradores por causa da especulação imobiliária.
“Uma cidade pode mudar de maneira normal ou violenta”, afirma o cineasta, que admite a dimensão política do filme, “mas não de uma maneira clássica, pela escala reduzida” em que se desenvolve a trama, explica.
A interpretação de Sônia Braga é responsável por boa parte dos elogios reservados ao filme. Alguns críticos apostam que “Aquarius” não deve sair de mãos vazias da cerimônia de premiação.
Um diretor que sabe escuta
“O filme fala sobre viver da maneira que alguém realmente deseja e não terminar seguindo os desígnios de outras pessoas com interesses comerciais”, disse Mendonça.
Desta maneira, tanto O Som ao Redor como Aquarius pertencem de algum modo ao gênero “siege movie”, ou filme de assédio, no qual os protagonistas resistem a uma ameaça externa.
Apesar do tom realista, o longa-metragem também abre espaço para elementos do cinema de terror. Um horror que, segundo o diretor brasileiro, “procede do sistema social” implacável contra o qual Clara se rebela.
Os dois filmes reservam ao som um lugar especial: os ruídos urbanos em “O Som ao Redor” e os vinis que a protagonista coleciona em “Aquarius”, que possibilitam a Clara recriar um mundo próprio e viajar no tempo.
“Sempre sonhei em ser parte de um filme no qual toda a equipe é parte dele e fazer o filme todos juntos”, disse Sônia Braga sobre as filmagens no Recife.
Para Gustavo Jahn, ator brasileiro radicado em Berlim que trabalhou em O Som ao Redor, Kleber Mendonça “é um diretor com ótimos ouvidos”.
“Segue sua intuição e escuta a equipe, o que dá um ótimo equilíbrio ao trabalho em seu conjunto”.