O segundo mais antigo teatro do Brasil, Arthur Azevedo, fará 200 anos em 2017, mas antes ele acaba de entrar em uma nova fase, sob administração do conhecido produtor maranhense Celso Brandão. Nossa reportagem conversou com o diretor, que está no novo cargo há apenas três dias, para entender quais os planos para a Casa histórica.
O principal desafio que Brandão enfrentará faz parte do próprio projeto de repensar o fomento à cultura no Maranhão. “Nossa primeira medida será atender a uma antiga reinvindicação da classe artística, que é baixar o valor da pauta de R$ 1.500,00 para R$ 800,00. Em junho o teatro faz 199 anos, e quando cheguei aqui não havia nada pensado para se comemorar, mas já estamos montando uma programação especial para os dias 1º, data do aniversário, até o dia 5. Será uma celebração com artistas maranhenses, dança, música erudita e com entrada franca. Traremos 700 alunos de escolas da rede pública de ensino, em parceria com a Secretaria de Educação, e em cada andar que eles visitarem haverá uma intervenção diferente. Não posso adiantar muito, mas teremos programação para todo o espaço do TAA”, , contou.
Democratização
Parte do novo projeto pretende interligar os espaços mais famosos do estado, o Teatro João do Vale e o Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, onde funciona o Teatro Alcione Nazaré. Para a ligação, Celso planeja, por exemplo, a inclusão das casas em festivais. “Podemos utilizar para colocar espetáculos de um mesmo festival nos três teatros, e fechar em uma comunhão no Arthur Azevedo. O teatro é um lugar sagrado, onde as pessoas se apaixonam pela arte”, ressaltou.
Para as mudanças, Celso, diz que precisará contar com toda a classe artística do estado, discutindo democraticamente, por exemplo, a formação de editais e concursos para a promoção da cultura em todo o espaço do teatro. “Entendemos que o Arthur Azevedo precisa de planejamento e qualidade na hora de receber pautas e fazer projetos próprios. Vamos precisar de todo mundo, que tenha uma ideia para construirmos juntos critérios de merecimento dos espetáculos, para que ninguém se sinta passado para trás”, disse.
Brandão contou que a conversa já está em andamento, com a direção do teatro sendo chamada por diversos grupos artísticos do estado e com a Casa chamando artistas que tenham interesse em contribuir com os novos tempos. “Precisamos alinhar as ideias. Uma coisa que pedi à equipe foi que os artistas maranhenses sejam tratados como estrelas, que de fato são. Valorizar o que é nosso, não anula ter pautas nacionais, mas para isso tudo precisa ser visto dentro de critérios que ainda iremos estabelecer. Precisamos democratizar, por exemplo, sem perder o glamour do erudito”, ressaltou.
A volta do glamour
Esse glamour ao qual Brandão se refere parece perdido em sua programação ao longo dos últimos anos, já que, mesmo com toda sua história, o Arthur Azevedo não é conhecido por ter em suas pautas espetáculos de música clássica. Um contrassenso ainda maior quando o Maranhão forma, todos os anos, músicos e cantores na Escola de Música Liláh Lisboa. São maranhenses com formação em música erudita sem palco na própria terra. Um dos argumentos mais superficiais diz respeito ao pouco apelo popular da música barroca no séc XXI, o que é prontamente contestado pelo diretor. “Só não se gosta daquilo que não se conhece”, declara.
“Todas as vezes em que a Orquestra Sinfônica Brasileira veio á São Luís, para tocar na Maria Aragão, por exemplo, famílias inteiras lotaram a praça. Adultos e crianças maravilhados com o espetáculo. Os alunos da escola de música estão indo embora para outros estados. E isso não precisa ser assim. Vamos criar um dia para a música clássica, com entradas a preço popular. É o segundo teatro mais antigo do País, e no aniversário de 199 anos, daqui 20 dias, daremos o domingo (5) para a música clássica, com presença de cantores líricos da Orquestra João do Vale. Meu sonho é ter uma Ópera aqui”, disse em tom esperançoso.
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Abrindo a Casa
“O teatro não é apenas o palco italiano”. Essa foi uma das afirmações mais repetidas por Celso durante a conversa com O Imparcial. Ele cita, por exemplo, a sala de dança Antonio Gaspar, espaço amplo, com os espelhos que remetem às bailarinas clássicas. Como todo o teatro, há um ar de austeridade, mas de beleza. O teatro parece mesmerizar, mas, nas palavras do diretor “É um espaço onde as pessoas são felizes, eu sou feliz aqui”, entoa na sala espelhada. “Uma política de cultura tem de passar por humanização, por valorização das pessoas. Tanto dos artistas quanto do público, e da abertura dos espaços para serem utilizados”, comenta. Essa abertura depende, em alguns casos, de reformas pontuais, como pintura, troca de iluminação, o que gera uma preocupação quanto ao fechamento do espaço para reformas. A resposta de Celso é categórica: “Esse ano o teatro não vai fechar”.
“É de conhecimento público os problemas estruturais do teatro, e o governo está ciente disso e comprometido solucionais isso. Não há nada com uma imensa gravidade, são reparos pequenos e do dia-a-dia. Recebemos cadeiras novas, novos equipamentos de som. Mas, por exemplo, o fosso precisa de consertos, precisamos de novas luzes também”, lista.
O registro audiovisual do Arthur Azevedo, cuja existência chegou a ser questionada pelo próprio Celso quando assumiu a administração do local, existe e será disponibilizado para a população, em referência aos 200 anos, que serão completados em 2017. “Temos um acervo muito grande, e a Divisão de Memória está buscando soluções para a disponibilização inclusive digital desse material. No momento que o colocarmos online o mundo inteiro poderá apreciar esse material”, frisou.
A equipe técnica de profissionais que trabalham na Casa terá adição de pessoas com experiência em produção em projetos de arte.
Uma vida dedicada à arte
Celso lembra do menino de 11 que morava no bairro da Belira e, depois de muitos convites, finalmente encontrou a bateria da Turma do Saco, ao sair de casa para comprar galinha às 10h. “Meu pai sempre ouviu samba-enredo nos discos em casa. Eu conhecida vários deles e quando vi que o maestro estava também cantando eu disse ´sei cantar’. Era Pauliceia Desvairada, da Estácio de Sá. Comecei a cantar, eram 14h quando voltei pra casa, minha mãe ainda não havia recebido a galinha para o almoço”, lembra sorrindo.
Hoje, com quase 40 anos, quase 30 deles são dedicados a arte. “Do samba fui para o teatro, para a escola de música, passei pelo Coral Vila Lobos, fui diretor da (escola de samba) Favela do Samba, da Turma do Quinto. Depois fui para carreira solo. Com 17 anos fiz um show solo no Gentil Braga. Já cantei aqui mesmo no Arthur Azevedo com a Orquestra de Câmara, cantando sambas dos anos 1920”, discorre.
A ênfase em se fazer projetos para a democratização do teatro, Celso atribui ao impulso que teve na própria carreira. “Deslanchei quando participei em um edital. Fui coordenador do projeto Carcará por 09 anos. Hoje moro quase aqui. Faz três dias que não saio do Teatro, minha esposa quase não me vê”, ilustrou.
Celso Brandão, foi produtor por 10 anos no Departamento de Cultura da UFMA, é ex-diretor técnico do Teatro da Cidade (ex-Cine Roxy), e antes do novo desafio, exercia o cargo de secretário adjunto de Economia Criativa do governo. É casado há sete anos, e com a esposa Lídia tem duas filhas, Sara de 7 anos, e a bebê Laura, de um ano.