“Parece que a gente está andando para trás”. É assim que Lucinha Araújo, mãe do cantor e compositor carioca Cazuza, enxerga o Brasil de hoje, invadido por uma onda de conservadorismo como há muito tempo não se via. Morto em 7 de julho de 1990, há quase 25 anos, o artista ganhou o país ao encarnar um personagem de alma libertária, cujo grito impunha-se contra o que ele considerava careta — para usar um termo bem comum nos anos 1980. “Tudo aquilo contra o que ele lutou está voltando. Tenho certeza de que ele estaria fazendo muitas músicas sobre isso”, disse ela.
Lucinha refere-se, por exemplo, à intolerância de parcela da sociedade diante dos homossexuais, capaz de gerar um boicote generalizado a uma novela por conta de um beijo entre um casal de lésbicas. Cazuza não levantava essa bandeira de forma explícita, mas não escondia sua homossexualidade do público. “Ele pediu para o Brasil mostrar a cara, como ele não ia mostrar a dele?”, provoca a mãe. “Ele era uma pessoa pública, e tinha que se expor e mostrar sinceridade para que a plateia acreditasse nele. Foi assim quando ele se assumiu portador do vírus HIV.”
Relembre as principais músicas de Cazuza
Sobre o boicote aos beijos gays na tevê, Lucinha é enfática: “É a coisa mais ridícula que eu já vi”. Para ela, tanto alarde se deve a uma tentativa de tirar o foco de temas mais sérios, como a corrupção na política, por exemplo. “O Cazuza iria achar o máximo o beijo gay, iria dizer para beijarem mais. Ele era contra o establishment.” Na última sexta-feira, a Suprema Corte dos Estados Unidos legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Lucinha acredita que o filho levantaria essa bandeira atualmente. “As pessoas são donas de seus corpos. Quem vai proibir? A gente tem é que ser feliz”, defende. “Volta, Cazuza. Você está fazendo falta!”.
Para o jornalista e pesquisador de música brasileira Rodrigo Faour, a obra que Cazuza deixou é extremamente atual. “Não sei como ele seria hoje, porque às vezes as pessoas ficam mais velhas e mais caretas. Veja o Lobão, por exemplo, que virou um reacionário. Mas acredito que isso não ocorreria com Cazuza”, observa Faour. Com a cabeça aberta que o artista tinha, o jornalista acredita que ele sofreria um pouco com a “caretice que impera no planeta atualmente”, com um patrulhamento exagerado e o baixo nível educacional da população. “Ele era um cara polêmico e acho que ainda seria bastante.”