Fúria e suavidade ou fúria e delicadeza. Como queiram. É possível encontrar essas duas sensações ao se deparar com a palavra escrita e desenhada dos artistas Celso Borges e Diego Dourado – o primeiro poeta e o segundo, artista plástico-, que lançam hoje, 16, a revista Fúria, na Galeria Trapiche (Praia Grande), às 19h. E como tem acontecido nos últimos eventos de Celso, será uma noite com lançamento de revista, performance poética de Áurea Maranhão e Claudio Marconcine, e exposição de Diego, mostrando o diálogo afinado que uma arte tem com a outra.
Em conversa com Celso, ele demonstra a satisfação de ter a revista em mãos. Um trabalho que segundo ele, foi feito a 4 mãos e que contou com a valiosa ajuda de amigos íntimos e familiares para ser publicada, em uma espécie de financiamento colaborativo. “Se não fosse pela ajuda deles, a revista sairia, mas teria demorado um pouco mais”, comenta Celso Borges. O agradecimento para esses amigos vem no final do livro, como se fosse um poema, em que lista os amigos pelo primeiro nome, em uma relação de A a Z. Portanto, se você foi um dos que colaborou, vai encontrar seu nome lá.
Aliás, toda a revista já causa curiosidade. Desde a capa. Sem nome, sem título. A ilustração de Diego Dourado fala por si só. É uma figura demonstrando toda a sua fúria. Que tipo de publicação seria? De terror? “Gosto muito desse estranhamento, dessa curiosidade, de despertar essa aversão. E o formato de revista dá essa mobilidade porque cabe em qualquer lugar, qualquer pessoa pode ver, folhear, se sentir curiosa para ver do que se trata. A minha mãe viu as ilustrações e ficou dizendo: ‘meu filho por que essas pessoas tão tristes? Olha, sangue, choro, ô meu filho’ (risos). Cara vibrei muito, gosto dessa resposta”, conta Celso.
Quem conhece pessoalmente os dois artistas percebem que eles não demonstram nada de furiosos. A fúria está nos textos e nos desenhos, frutos de seus trabalhos. “Por isso tem essa fúria e essa suavidade, essa delicadeza ao mesmo tempo. Um discurso que não cabe no cotidiano normal, em que tudo é certinho. O texto e as ilustrações tem esse estranhamento, tem uma provocação que faz parte da minha vida como artista”, aponta Celso.
A publicação reúne 40 poemas de Celso e 18 ilustrações de Diego Dourado, que também é poeta. Essa nuance, o ser poeta e o ser artista plástico facilitou a parceria entre eles. “Eu já havia trabalhado nessa pegada de poema visual com o Fernando Mendonça e o João Ewerton, mas o fato do Diego também escrever ajudou muito na compreensão do texto. Porque às vezes o artista pode ser muito bom, mas não compreende o texto. É uma vantagem desse trabalho, tanto que quando pensei nesse trabalho associei logo ao Diego, com que já tive outros trabalhos anteriores”, analisa Celso.
“Temos feitos algumas coisas juntos e já vi alguns trabalhos nesse formato. E essa ideia da fúria remete a ilustrações muito pertinentes, que dialogam com o conceito da revista como um todo. Não funcionam como legenda, são colocadas aleatoriamente. E no dia do lançamento haverá exposição desses desenhos, caso a pessoa queira adquirir terá cartazes, quadros”, explica Diego.
Misturar poesia e música no palco é um trabalho que Celso Borges vem fazendo nos últimos 12 anos procurando estimular novas percepções do texto poético escrito e falado. Dentro desse contexto lançou três livros/CDs e vem realizando espetáculos de leituras e performances com intervenções sonoras. Essa experiência tem se refletido no seu processo de criação. A mais recente delas foi na exposição Visões de um Poema Sujo, do fotógrafo Márcio Vasconcelos.
Fúria é o resultado das mudanças na poesia de Celso Borges a partir daí. O artista quer continuar criando uma zona de aproximação entre o cantar e o falar, entre a leitura tradicional e sua interpretação para além do livro. Ao publicar seus textos de palco numa revista, o poeta mais uma vez tenta estimular seus leitores e ouvintes, estabelecendo um atrito que, acredita ele, vai lançar um novo olhar sobre o discurso poético.
A maioria dos poemas de Fúria já foi apresentada no palco entre 2005 e 2014, nos projetos de leitura de Celso Borges em parceria com Otávio Rodrigues (Poesia Dub), Luiz Claudio e Christian Portela (A posição da poesia é oposição) e Beto Ehongue (Sarau Cerol). Mas a publicação também traz 5 poemas inéditos. “São textos que dialogam com a rebeldia presente na maior parte dos poemas da revista. Poesia forte e ao mesmo tempo suave, que certas pessoas podem não gostar, mas se eles gostarem, melhor”, afirma Celso Borges.
A césar o que é de césar
Aos poetas tudo: dor fúria melancolia
Aos demais menos: porra flor bom dia
Noite de fúria
Calma, gente! Fúria artística. Fúria em poemas, desenhos, encenação. Revista + exposição + performance. A começar pela revista, ela reúne principalmente textos que Celso interpretou no palco nos últimos 10 anos em projetos de poesia e música, e ilustrações de Diego feitas especialmente para a publicação.
A exposição reúne 10 das 18 ilustrações produzidas para a revista. Dispostas em diferentes formatos, feitas de nanquim e pastel, elas surgem dos acasos do ‘elemento-mancha’ – a partir do qual Diego deflagra uma situação de embate no espaço de ocorrência do desenho, da formação da imagem.
“Eu gostei muito dessa parceria porque há muito tempo não desenhava. Tenho um trabalho nessa linha da arte/literatura para poesia visual já desde 2007, já que são áreas que não caminham distantes uma da outra, se cruzam e se interpenetram. E eu vejo no Celso uma poesia para desenvolver esse trabalho, de dialogar com outras mídias”, aponta Diego.
A reunião das ilustrações e dos versos (lado a lado) vem evidenciar que ambas as linguagens se completam. Como artista plástico e poeta, Diego trabalha no sentido desta integração, utilizando-se simultaneamente de diversos meios para produzir poemas e imagens. “A palavra consegue transitar entre as várias linguagens, de forma que vai ganhando um novo sentido. Isso é muito legal”, acrescenta Diego.
A performance com Áurea Maranhão e Claudio Marconcine terá como cenário o Bazar Belle Époque, baseado na poesia Belle Époque de Celso (que não está na revista) em que é feita uma crítica ao consumismo exagerado. Crítica e humor ao mesmo tempo, ironizando uma sociedade mergulhada na onda do vale quem tem e no perfil desse universo consumista.
Poetas da escrita e da imagem
Celso Borges – Poeta e letrista de São Luís (MA), autor de nove trabalhos de poesia, entre eles os livros/CDs XXI (2000), Música (2006) e Belle Époque (2010), com participação de mais de 50 poetas e compositores de várias cidades brasileiras. Desde 2005, desenvolve projetos de poesia no palco, o primeiro deles, Poesia Dub, com o DJ e jornalista Otávio Rodrigues, em São Paulo, onde morou de 1989 a 2009. Seus poemas inspiraram a montagem do espetáculo de dança Manifesto II, produzido pelo grupo Pilares (Palmas, 2008). Coproduziu em 2013 com Zeca Baleiro, o CD A palavra Acesa de José Chagas. Foi curador da Feira do Livro de São Luís em 2013 e 2014 e um dos editores da revista Pitomba! com Reuben da Rocha e Bruno Azevêdo, de 2011 a 2014.
Diego Dourado – Poeta e artista plástico, nasceu em São Luís (MA) em 1986. Iniciou sua trajetória artística na metade da década de 90, participando de cursos livres de pintura. Em 2007 muda-se para o Rio Grande do Sul e ingressa no curso de Artes Visuais da Universidade Feevale, graduando-se bacharel em 2011. Em 2008 realiza sua primeira exposição individual, Do Jeito que o Diabo Gosta, na Galeria Chico Lisboa (RS). Participou de quatro exposições coletivas, dentre elas TREZEATRAVÉSTREZE, realizada na Galeria Hum (MA), em 2011. Além das exposições, idealizou as performances Transe (2008) e Rua dos Afogados (2010), na Pinacoteca da Universidade Feevale (RS). Em 2014 produziu e lançou o objeto e vídeo Sabonete Pôncio Pilatos, no espaço Chico Discos (MA). Ilustrou dois livros de poesia, Estação Poesia (2008) e Rebelião dos Poemas (2007). Atualmente desenvolve uma pesquisa e produção voltadas para o campo da Poesia Visual e da Pintura.
SERVIÇO
O quê? Lançamento Revista Fúria e exposição
Quando? Hoje (16), às 19h
Onde? Galeria Trapiche (Praia Grande)
Quanto? Aberta ao público