O cinema é uma das formas narrativas mais sincronizadas aos avanços tecnológicos. Sua própria origem só foi possível por conta de uma invenção — o cinematógrafo, criado pelos irmãos Lumière em 1885. Desde então aprimoramentos técnicos, como o som e as cores, transformam o cinema ao longo das décadas. Desde as maquetes usadas por Fritz Lang para criar a distopia de “Metrópolis” (1927), passam pelos cenários pintados de “O mágico de Oz” (1939), até a Pandora digital criada por James Cameron em “Avatar” (2009) ou a representação do cosmos em Interestelar (2014), a tecnologia é uma aliada do cinema na hora de dar forma à imaginação.
Hoje, com a digitalização da imagem, é possível criar universos inteiros a partir do computador. Lançamentos recentes, como “Vingadores: era de Ultron” e “O exterminador do futuro: gênesis”, celebram a tecnologia por meio de uma profusão de efeitos visuais, mas, ao mesmo tempo, deixam transparecer certa desconfiança em relação a ela, já que seus vilões, criados a partir de programas informáticos, nada mais são do que a face mais sombria do digital. Alguns diretores parecem andar em sentido contrário, em busca de originalidade no cinema de ação através dos chamados efeitos práticos — executados durante as gravações. É o caso de George Miller, com Mad Max: estrada da fúria, e de J.J. Abrams, no aguardado Star wars: episódio VII – o despertar da força. “Miller é um diretor que sabe domesticar os efeitos visuais, basta ver qualquer filme anterior dele”, afirma o cineasta Marco Dutra.
Ferramentas
Para Dutra, os efeitos são ferramentas que devem ser usadas em função da narrativa e do conceito artístico. “As vantagens são infinitas, porque se pode fazer com facilidade algo que antes custava caro e demorava para ser feito. O problema é o excesso de empolgação: em geral, não precisamos de muito para criar uma cena eficaz”, diz o diretor, que explora o fantástico nos filmes Quando eu era vivo e Trabalhar cansa.
O cineasta brasiliense José Eduardo Belmonte que, com Alex Gabassi, dirige a nova série da HBO O hipnotizador, com estreia marcada para agosto, revela que o projeto conta com uma série de efeitos visuais para reconstruir Uruguai nos anos 1940.
Três perguntas para Gustavo Rodrigues (animador e diretor da empresa Game Academy)
Como a tecnologia digital transformou a indústria cinematográfica?
Um filme pode responder essa pergunta, A invenção de Hugo Cabret. Um dos personagens principais é o grande mestre Georges Méliès. Ele era um grande ilusionista francês e um dos precursores do cinema. No filme, vemos um pouco sobre sua história. Ao ver a primeira projeção de um filme realizada pelos Irmãos Lumière, ele se encantou pelo cinema, e, com toda sua habilidade como ilusionista, começou a elaborar efeitos especiais para criar mundos fantásticos o que lhe rendeu o título de Pai dos Efeitos Especiais.
Observando um pouco o filme Hugo podemos imaginar o quão trabalhoso era a criação de um filme sem a tecnologia digital. Imagina recortar, colar e trabalhar incansavelmente em inúmeros frames de película (hoje em filmes temos 1 segundo a cada 24 frames).
Aí você pode falar – “Hoje com a evolução da tecnologia a produção de efeitos especiais e visuais é bem mais fácil”. Então eu te respondo que a evolução tecnológica nos ajudou, sim, mas não necessariamente se torna mais fácil, pois junto com a evolução da tecnologia também veio uma crítica mais intensa, mais rígida, o que faz com que os efeitos, seja especial ou visual, tenham que ser o mais próximo possíveis da realidade
Como você vê o retorno dos efeitos práticos em Mad Max, por exemplo, e no novo Star Wars de J.J. Abrams?
Não é por acaso que ambos estão sendo comentados, positivamente no mundo todo quando se fala em efeitos especiais (mesmo o Star Wars, que por enquanto só temos acesso à alguns sneak peeks). É bom entender a diferença entre efeitos especiais e efeitos visuais. No Mad Max temos uma chuva de efeitos especiais óticos e mecânicos, que são os efeitos executados durante a gravação, efeitos que interagem com os atores. Explosões, capotamentos, cenários reais, eles quiseram explorar o máximo do real possível, o que é muito relevante para a imersão no filme… É fantástico! Mas também muitos efeitos foram feitos digitalmente, como a própria Cidadela, a tempestade de areia, inserções de elementos nas cenas feitas em Namíbia e a remoção do braço da Furiosa. Esses são os efeitos visuais, quando existe manipulação das imagens na pós-produção do filme.
A onda de reboots que estamos acompanhando esse ano deixam ainda mais evidentes as diferenças tecnológicas entre os anos 1980/1990 e os dias de hoje. A releitura tecnológica acrescenta alguma coisa a essas franquias clássicas?
O público mais espontâneo talvez não perceba muita diferença, mas pra quem tem um certo conhecimento técnico existe, sim diferença. Acrescenta em termos de visual. Pegando o Jurassic world como exemplo, os personagens estão mais bem integrados em cenários criados digitalmente. Os dinossauros, além de também ter uma integração melhor com o cenário, tem uma animação mais fluida, pois, em alguns casos, foi tudo criado digitalmente.