Álbum reúne gravações caseiras de Cássia Eller dos anos 80
Interpretações vão de ‘Sua estupidez’, de Roberto, a ‘Ne me quitte pas’, de jacques Brel em registro apaixonado e original; ‘O espírito do som’ é o primeiro de três discos que pretendem contar trajetória de Cássia Eller no DF
“Eu acho que os cantores quando cantam querem que o povo goste. E eu só quero cantar, porque é a única maneira que eu tenho de me extravasar. Tenho coisas aqui precisando ser postas pra fora, e que maneira mais bonita que eu fui arrumar pra expulsá-las… É bonito, quando eu canto e estou satisfeita. É doído, quando canto e estou angustiada. Eu cantando sei mais de mim. Você pode pensar que me conhece um bocado se algum dia você conversou comigo, se leu alguma coisa que eu escrevi, se foi pra cama comigo, mas, pode crer, você se espantará quando me ouvir cantar. Essa, sim, sou eu… me mostrando porque eu quero… é quando sou sincera mesmo.”
Cássia Eller (1962-2001) tinha 21 anos quando escreveu o texto acima, a parte final de uma observação sobre o impacto que ‘Sonata de outono’ (1978), de Ingmar Bergman, havia lhe causado. Vivia em Brasília e namorava a jornalista Elisa de Alencar. Era na casa dela que Cássia soltava a voz. Num stereo três-em-um, um tesouro para quem vivia nos anos 1980, ela gravava suas fitas cassete.
Álbum do selo Porangareté – iniciativa de Maria Eugênia, companheira da cantora, Chico, filho de Cássia, e Rodrigo Garcia, violonista de sua banda – reúne em meia hora dez faixas registradas com voz e violão para o cassete de 1983.
Se Cássia ainda descobria a vida, algumas certezas ela já tinha. A paixão pelos Beatles, registrada já no seu primeiro álbum oficial, de 1990 (com a gravação de ‘Eleanor Rigby’) é uma marca deste trabalho recuperado. São três as versões aqui registradas: ‘For no one’, ‘Happinness is a warm gun’ e ‘Golden slumbers’. Seu registro para ‘Je ne regrette rien’, que se tornou carro-chefe do ‘Acústico MTV’, faz ainda mais sentido ao ouvi-la cantar outro clássico da chanson française, ‘Ne me quitte pas’, de Jacques Brel. Ela ainda se esmera no espanhol, com ‘Airecillos’, de Marlui Miranda.
Sobre o cancioneiro nacional, as escolhas fogem do óbvio. Luiz Melodia, outro de seus compositores favoritos, abre o material com ‘Segredo’. Há também Roberto e Erasmo (‘Sua estupidez’) e Ednardo (‘Ausência’).
Há ainda um raro momento da Cássia compositora, com ‘Flor do sol’, parceria dela com Simone Saback. O registro já teve uma versão lançada no disco póstumo ‘Do lado do avesso’, lançado em 2012, trabalho que marcou os 50 anos de nascimento da cantora. É da letra de ‘Flor do sol’ que Eugênia, Chico e Rodrigo tiraram a palavra tupi-guarani Porangareté que dá nome ao selo.
Lançamentos póstumos costumam ser uma colcha de retalhos, já que geralmente o material compilado vem de origens distintas. Como nasceu de uma só fonte, ‘O espírito do som foge’ disto. Registro caseiro e sem recursos, o som, mesmo recuperado, mostra algumas falhas. A voz de Cássia é muito marcante, menos grave do que nos registros oficiais. Por vezes o tom sai um pouco do registro, como em ‘Sua estupidez’. Mas a gravação é de uma honestidade tamanha que supera qualquer reparo. O álbum tem que ser visto como um documento de uma época. Apaixonado, denso e original, adjetivos que sempre acompanharam Cássia Eller.
Rock in Rio
Depois de documentário e musical, Cássia Eller vai parar no Rock in Rio. Catorze anos e meio após a incensada aparição da cantora no festival, ela será homenageada na edição de setembro, abrindo a programação de 30 anos do evento.No dia 18, na abertura do festival, Cássia será festejada por músicos amigos e admiradores. A homenagem será a principal no Palco Sunset, espaço da Cidade do Rock destinado a encontros musicais.Estão confirmados, entre outros artistas, Nando Reis, Arnaldo Antunes, Zélia Duncan, Mart’nália e os sete músicos que compunham a banda de Cássia. A atriz e cantora Tacy Campos, que a interpretou no teatro, também integra o time.