ENTREVISTA

Prestes a sair em turnê, Caetano e Gil falam sobre política e conservadorismo no Brasil

Ambos com 72 anos, amigos de longa data e parceiros musicais vão celebrar união em série de shows pela Europa e Israel

Um é zen, o outro, angustiado. Um adora dormir, o outro detesta. Um tem as mãos geladas ao subir no palco, o outro é calmo. Ambos têm 72 anos e fizeram da música a sua vida. Gilberto Gil e Caetano Veloso começam este mês uma turnê pela Europa, que comemora meio século de amizade.
Estes dois monstros sagrados da música popular brasileira, que lideraram o movimento tropicalista em 1968 e se exilaram por vários anos em Londres durante a ditadura militar, confessaram, em entrevista, que fazer um show aos 70 anos é bem diferente do que aos 30.
 
No depoimento, ambos revelam que esperam ver, um dia, o Brasil legalizar a maconha e, talvez, o aborto. Caetano e Gil falaram longamente sobre religião e política no Brasil, um país que consideram mais racista hoje do que no passado recente, e onde asseguram que o ciclo de mais de 12 anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), que ambos apoiaram até nas últimas eleições, “esgotou-se”.
Nas últimas eleições, em outubro, os dois votaram a favor da ambientalista Marina Silva no primeiro turno e na presidente Dilma Rousseff no segundo. De 25 de junho a 2 de agosto eles vão levar sua música para 10 países da Europa (incluindo Madri e Barcelona) e para Israel.
Gil

Ainda sentem ansiedade antes de subir no palco?

 
GILBERTO GIL: Eu fico mais nervoso hoje do que antes, posso dizer com certeza.
CAETANO VELOSO: É engraçado, porque para mim é totalmente o contrário. Não me sinto nervoso.
GILBERTO GIL: Minhas mãos ficam frias e às vezes, em alguns casos, tenho um pouco de taquicardia. Mas é mais fácil com ele ao lado. De todos os músicos eu me sinto mais tranquilo no palco com Caetano.
Vocês são chamados de irmãos, de gêmeos. Em que são mais parecidos e em que são mais diferentes?
GILBERTO GIL: Somos muito diferentes. Os gostos são parecidos, temos uma influência musical marcada por influências parecidas (…) Ele é Leão eu sou Câncer. A bossa nova nos aproximou.
CAETANO VELOSO: (Risos). Eu não faço ioga, não acredito na astrologia. Eu acho que somos mais diferentes do que parecidos. Mas somos muito unidos, pela vida e pela música. A gente se encontrou em 1963 e a primeira vez que vi, ele cantava na televisão na Bahia e um amigo nosso nos apresentou.
Vocês são da geração sexo-drogas-rock’n roll. Essa geração deixou saudades?
CAETANO VELOSO: Tenho saudade da juventude e de ser jovem. É uma vantagem imediata ser jovem. É uma alegria do corpo jovem…
GILBERTO GIL: Que o velho não tem mais (risos).
CAETANO VELOSO: (Risos) Mas a gente é uma pessoa, cada um é uma pessoa. E a pessoa atravessa a infância, a adolescência, a juventude, maturidade, velhice. E sinto uma grande curiosidade sobre tudo.
GILBERTO GIL: A idade avançada tem me dado a possibilidade de não avançar mais em relação a vontades e expectativas e uma série de coisas assim, coisas que são marcadas pelo adiante, pelo horizonte. Eu fico já mais tranquilo aqui.
CAETANO VELOSO: Ao contrário de você [falando de Gil], tenho ansiedade em relação ao futuro, eu quero ainda fazer a minha vida. Não sou como você.
GILBERTO GIL: Entendi, entendi. Eu não, eu sou conformidade conforme a idade.
O que vocês não fizeram até agora que gostariam de fazer?
CAETANO VELOSO: Gil realmente realizou coisas musicais maravilhosas, eu não. Eu quero fazer coisas, alguma coisa que eu acho que seja bacana mesmo. Tenho vontade de fazer filmes, mas para fazer filmes é necessário mais juventude do que para fazer canções.
GILBERTO GIL: Exatamente! (risos).
CAETANO VELOSO: Graças a Deus existem essas coisas inúteis como são os produtos da criação artística.
GILBERTO GIL: Adoro pintura, literatura, cinema, mas não poderia fazer nada disso [se não fosse músico]. Poesia talvez eu fizesse. Ou filosofia. Poderia me dedicar a pensar, no sentido filosófico.
Gil, você foi ministro da cultura do ex-presidente Lula durante cinco anos. É mais fácil ser músico ou ministro?
GILBERTO GIL: Música é fácil, fácil mesmo. É só querer e pronto. Fazer. São as outras que são mais difíceis.
Sexo, conversar, cantar… e dormir
Quais são as três coisas que vocês mais gostam na vida? Quando se sentem realmente felizes?
CAETANO VELOSO: Olha, eu acho que o sexo, conversar e cantar.
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Nessa ordem?

CAETANO VELOSO: Bem provavelmente.
 
GILBERTO GIL: Eu gosto dessas três coisas, mas eu diria que deitar para dormir é para mim o melhor de tudo.
CAETANO VELOSO: Tá vendo, para mim isso é o inferno! (risos) Eu durmo tarde para caramba, sobretudo porque desde a infância vivo lutando contra esse momento que eu me deito e apago a luz, não suporto(…) Faço um esforço, fico me enganando, fico lendo, vejo televisão, comédias americanas antigas, só gosto disso. Desligo, volto a ler, deito no escuro e não consigo (…). Não falo com ninguém, não saio do quarto. Eu moro sozinho, quer dizer, durmo sozinho. Não moro sozinho porque meu filho mora comigo, meu filho do meio. Mas eu durmo sozinho há anos.
GILBERTO GIL: Eu não. Quando me levanto, já estou pensando na hora de voltar a dormir.
Caetano, você continua fazendo terapia?
CAETANO VELOSO: Faço. Voltei.
GILBERTO GIL: Nunca fiz, nunca achei que deveria fazer.
 
Não tem nada para consertar?
GILBERTO GIL: Não! Sou muito conformado com o que há de torto em mim.
CAETANO VELOSO: Eu sou muito ocidental. É mais uma necessidade de conhecimento e de me sentir, de me tolerar, não consertar. De me tornar capaz de tolerar o que sou, o que eu tenho. Estava parecendo que estava chegando no intolerável. E também porque sempre tive uma grande curiosidade pelo pensamento de [Sigmund] Freud, porque eu tive na infância uma intuição disso. Era pré-adolescente, tinha uns 10 anos e estava angustiado e não tinha com quem falar. Existia em Santo Amaro [sua cidade natal, na Bahia] um médico que cuidava da minha garganta, que eu gostava muito, eu confiava nele. E eu pensava que deveria existir um médico também para quando a gente está com medo, com angústia. Quando soube que existia…
GILBERTO GIL: Ficou curiosíssimo!
CAETANO VELOSO: É, eu imaginei isso.
Qual seria seu conselho para um jovem hoje?
CAETANO VELOSO: Eu já estou na idade de repetir o conselho de Nelson Rodrigues: envelheçam! (risos).
 
Como veem a situação política atual?
Caetano Veloso: A criação do PT mudou a história do Brasil, e isso não tem volta. O PT é vitorioso na História. Agora o ciclo parece que se esgotou.
Gilberto Gil: O PT tenderá a um ajuste, a uma adequação, um lugar de confluência. Não há uma ideologia forte hoje em dia, há fragmentos de todas elas.
Há uma onda de conservadorismo que está crescendo no Brasil?
Caetano Veloso: Acompanhamos isso, às vezes, com amargura, às vezes, com paciência, desesperança (…) As primeiras manifestações das ruas foram uma mistura de atitudes libertárias e reacionárias, eram descontroladas. Agora o que há de mais conservador vem de áreas oficiais, do Congresso Nacional. Mas estamos vacinados, já enfrentamos muitos refluxos conservadores.
Gilberto Gil: Algo que atenua um pouco a tristeza é que isso não é só no Brasil, tenho a impressão que o mundo está assim. É a sociedade humana.
Acreditam ser possível a legalização da maconha e do aborto um dia no Brasil?
Gilberto Gil: Acredito sim! Quanto tempo mais vão insistir nesta marginalidade, em ficar à margem de uma tendência natural?
Caetano Veloso: Eu acho que a maconha é mais fácil. O aborto é mais difícil. O casamento gay é mais fácil do que o aborto. Sou favorável à legalização, mas compreendo os sentimentos de insegurança daqueles que o sentem como uma ameaça ao princípio de inviabilidade da vida.
Gilberto Gil: Tem uma canção minha (n.r: ‘Não tenho medo da vida’) que me causou dúvidas na hora de escrevê-la. Diz assim: “É que a vida atou-se a mim desde o dia em que eu nasci”. E me peguei pensando, será que foi antes? (risos) Mas acabei deixando assim e isso me ajudou a acreditar que (o começo da vida) é só depois de que se nasce.
O Brasil, com mais da metade de sua população negra ou mulata, é menos racista hoje do que nos anos 70, 80?
Cetano Veloso: Talvez um pouco mais racista, eu acho (…) Mas o Brasil não era nada ‘racialista’. Lembro-me que, durante o Carnaval, nos anos 70, eu ia, desfrutava, havia multidões. Jamais me perguntava se havia mais ou menos negros. Nem sequer o pensávamos (…) e hoje minha cabeça começa a fazer estatística, ali tem negros, lá não tem negros. Com a influência americana dos anos 70, para bem ou para o mal, a questão política e racial foi ‘racializada’. Hoje há mais consciência da questão racial, o que aumenta o racismo, mas também enfrenta o racismo.
Se Gilberto fosse branco e Caetano fosse negro, algo mudaria?
Caetano Veloso: Talvez, não sei. Até escrevi um livro sobre minha experiência no Tropicalismo e coloquei assim: Gil é um mulato suficientemente escuro para ser chamado de negro até na Bahia; eu sou um mulato suficientemente claro para ser chamado de branco até em São Paulo. Mas os seus olhos são mais claros do que os meus.
Gilberto Gil: A tendência no Brasil é para uma grande nação mestiça.
O crescimento dos evangélicos os preocupa? Como sentem a religião?
Cetano Veloso: Sou até um pouquinho antirreligioso (…), mas a vida humana inclui a necessidade de religião. O crescimento dos evangélicos no Brasil eu considero até mais positivo do que negativo (…). Com nossa formação católica, nos acostumamos a acreditar que prosperar é ruim, e os evangélicos nos ensinam que não é assim, isso é muito importante para o Brasil. O catolicismo ficou cansado. Você vai à missa e escuta o padre falar e a imaginação não tem energia, a linguagem não tem energia, parece que há um esgotamento da energia histórica do catolicismo no Brasil. E quando você vai a uma igreja evangélica – que frequento de vez em quando para ver, porque há pessoas muito próximas a mim que aderiram – e vejo a energia com que o povo fala e com a qual o que dizem é recebido.
Você se interessa pela religião sem acreditar, é agnóstico?
Caetano Veloso: Eu sou. Sou agnóstico. Já me quis ateu quase combativo, mas quis ser mais pragmático.
Gilberto Gil: Eu fiz um percurso inverso. Depois de não precisar dela por muito tempo na juventude, precisei depois de um tempo e depois achei que já não precisava.
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