“Eu sei porque você tá aqui. Você está aqui por causa da gente. Então, quando você voltar para o seu mundo, por favor, conte para eles que nós estamos aqui.” Essa frase, dita por um dos muitos refugiados da guerra civil do Sudão, marcou Jéssica Paula, 23 anos, e deu título ao livro de histórias que a jornalista lança nesta terça-feira, ‘Estamos aqui’. Para conseguir publicar o título, Jéssica contou com o auxílio de doações feitas por meio de uma plataforma de crowdfunding. Foram três meses viajando sozinha por quatro países da África — Etiópia, Sudão, Sudão do Sul e Uganda — com uma mochila nas costas, uma câmera, um notebook e um par de muletas.
Desde os seis anos de idade, quando sofreu uma infecção na medula, Jéssica precisou se adaptar às circunstâncias de perder totalmente os movimentos da perna direita e, parcialmente, os da esquerda. Engatinhou, utilizou muletas auxiliares e, por fim, chegou a um tipo de muleta cujo apoio é realizado nas mãos e no antebraço.
Em 2013, à época com 20 anos, a estudante de jornalismo seguiu para um período de intercâmbio, no qual passou um ano fora do Brasil, mais especificamente na capital espanhola, Madri. Após algum tempo de pesquisa e de estabelecer contatos com ONGs, Jéssica decidiu que era hora de partir para o continente africano. “Eu sempre tive um fetiche com a África. São histórias desconhecidas, muitas vezes inéditas. Além disso, estava procurando um tema para meu trabalho de conclusão do curso. Viajei para o Marrocos em um primeiro momento e visitei outro país que estava recebendo muitos refugiados. Foi quando deu um estalo para falar sobre isso. Depois de pesquisar, decidi que teria que ir para a África de novo para fazer meu TCC”, conta.
Saindo de Madri, Jéssica pegou um voo para Istambul, na Turquia, e seguiu para a Etiópia. Quando questionada a respeito de possíveis receios por viajar sozinha para países cuja situação social e política estão conturbadas, ela relata, entre risos, que, estranhamente, não teve medo. “Ir sozinha não chegou a ser uma escolha. Além disso, percebi que existe muita vantagem em ser mulher e ser deficiente física. Muita gente me ofereceu carona, me cumprimentou, eram gentis e queriam ajudar. As pessoas me viam como inofensiva e, com muito menos condições que eu, faziam de tudo para colaborar de alguma forma: ofereciam dinheiro, alimento, lugar para dormir. Até mesmo quando fui expulsa do Sudão, os policiais foram respeitosos comigo, na medida do possível. São lugares com condições de vida muito difíceis. Tem que estar muito desapegada e não se importar com nada.”