TECNOLOGIA

Chip brasileiro vai ajudar acelerador de partículas a captar mais dados

Peça criada por pesquisadores de três instituições paulistas vai amplificar sinais elétricos gerados no detector de partículas do grande acelerador, baseado na Europa, a partir do qual são desenvolvidas diversas pesquisas

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Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) estão próximos de concluir o segundo protótipo de um chip que será usado no projeto Large Hadron Collider (LHC), mais conhecido como acelerador de partículas. Na realidade não se trata do único acelerador de partículas do mundo, mas o LHC é o maior experimento desse tipo já realizado. Até o momento, o feito mais divulgado desse projeto foi a descoberta do bóson de Higgs, a chamada partícula de Deus, em 2012 (Leia Saiba Mais).

“Mas uma empreitada desta magnitude não pode ter apenas um objetivo”, explica o professor Marcelo Munhoz, um dos coordenadores do projeto no Brasil e pesquisador do Instituto de Física da USP. Para marcar território (paulista!), o chip foi batizado de Sampa, e será peça fundamental dentro do experimento Alice (A Large Ion Collider Experiment, ou experimento de largo íon colisor, em tradução livre), um dos quatro grandes detectores do LHC, que visa estudar a colisão de íons pesados (de chumbo). A função do chip é amplificar os sinais elétricos gerados no detector de partículas (chamado TPC), que são analógicos, e os converter em valores digitais, ou seja, numa sequência numérica. Em seguida, esses dados serão armazenados para depois serem analisados. O novo chip vai aposentar (com vantagens) dois chips atualmente usados no Alice, um para ampliar o sinal e outro para digitalizar.
O desafio de fazer essa captação analógica é que os sinais emitidos pelo detector de partículas são muito pequenos e ocorrem durante um período muito curto. O Sampa será usado na terceira fase do LHC, prevista para 2020, depois de uma parada técnica prevista para os dois anos anteriores para o equipamento passar por uma série de melhorias. Quando o acelerador de partículas voltar a funcionar, ele será capaz de fazer mais colisões por segundo, o que vai demandar uma maior capacidade dos detectores. É aí que entra o novo chip, que vai permitir captar e gravar os dados coletados de forma contínua, propiciando a obtenção de mais dados. Hoje, só é possível gravar esses dados por determinado intervalo de tempo.
VOLTA À ESCOLA
O principal objetivo dos cientistas que trabalham no experimento Alice é estudar o plasma de quarks e glúons. Para entender isso tudo, é preciso voltar ao banco da escola e lembrar que um átomo é formado por elétrons, prótons e nêutrons. Antigamente, acreditava-se que esses elementos eram indivisíveis, até que se descobriu que cada próton e cada nêutron é formado por três elementos chamados quarks, que, por sua vez, se mantêm unidos por partículas chamadas glúons. E o elétron? Bom, até o momento, esste elemento é considerado indivisível. Tudo isso para se ter uma rápida noção do que seria o tal plasma de quarks e glúons.
De acordo com Marcelo Munhoz, os quarks nunca foram observados isoladamente justamente por estarem confinados em outras partículas. A teoria afirmava que é impossível isolar um quark, mas esse plasma já foi obtido num acelerador de partículas dos Estados Unidos. No caso do Alice, além de gerar o plasma, o desafio é conhecer melhor suas propriedades.
“Em princípio, esse tipo de experimento não tem consequências práticas, a não ser entender como funciona a natureza. Mas nesse caminho muita tecnologia acaba sendo desenvolvida”, avalia o físico da USP. Ele explica que já existe um grupo trabalhando no desenvolvimento de aplicações para esse chip, como sua associação a um sensor para se obter radiografias com mais informações. Associado a outro tipo de sensores, que medem os nêutrons, é possível obter uma neutrografia, imagem que fornece alto grau de detalhes. Munhoz conta que essas aplicações já existem, mas agora surge a possibilidade de tê-las com tecnologia nacional e a custos bem menores.
Se a equipe tiver êxito com o protótipo, serão produzidos 80 mil chips, que vão instrumentalizar o TPC do Alice. Curiosamente, esses chips serão produzidos em Taiwan, já que no Brasil a menor escala em que é possível fabricar microprocessadores é de 650 nanômetros, enquanto o chip exige 130 nanômetros. Para o desenvolvimento do projeto, um novo laboratório foi criado para os encontros entre os departamentos de Física e de Engenharia das instituições. A pesquisa está sendo financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). As discussões tiveram início em 2012 e no ano seguinte o projeto já estava em execução. O primeiro protótipo do chip foi concluído em 2014, mas ainda não estava completo.
O LHC
O Large Hadron Collider (LHC), o grande colisor de hádrons, é a maior máquina já construída pelo homem. Trata-se de um acelerador de partículas com 27 quilômetros de circunferência localizado na fronteira entre a França e a Suíça. A máquina pertence à Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern). Seu funcionamento se dá a partir de emissão de um feixe de prótons em sentido horário e outro feixe de prótons em sentido anti-horário. Esses feixes são geridos para obter colisões em quatro sofisticados detectores de partículas, uma vez que essa colisão acaba emitindo uma série de novas partículas.
Partícula de Deus
Até o momento, a descoberta mais popular feita pelo LHC foi o bóson de Higgs, a chamada partícula de Deus, em 2012. Trata-se da peça que faltava para completar o chamado Modelo Padrão, que serve de base para todas as teorias da física. Para tentar responder sobre o porquê de algumas partículas terem massa e outras não, em 1964, o físico britânico Peter Higgs propôs um mecanismo que depois ficou sendo conhecido como Campo de Higgs. De acordo com essa teoria, tudo no universo estaria envolto de um campo de força que interage com as partículas e lhes atribui massa. Dessa forma, partículas com mais massa interagem mais com esse campo de força, as partículas com menos massa interagem menos e as partículas sem massa simplesmente não interagem com ele. Logo, é o Campo de Higgs que dá massa a tudo no universo. E o bóson de Higgs é justamente o menor pedaço desse campo de força.
Se não fosse pelo bóson de Higgs, ou pelo Campo de Higgs, todas as partículas viajariam sem parar pelo espaço e na velocidade da luz. Sem a interação entre o campo e as partículas, seria impossível a formação do átomo, das moléculas, enfim, de tudo. Sem ele, não haveria massa e nem matéria. O universo tem uma estrutura porque há partículas com massa.
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