O lançamento do box ‘Bossa é bossa’, do selo carioca Discobertas, traz à tona o que o produtor Marcelo Froes classifica como o “lado B” do gênero que mais projetou a música brasileira internacionalmente. Os cinco CDs da caixa compilam 10 Lps – ‘Música 18 Kilates’, de 1962, e ‘Balona é o sucesso’, de 1963, de Célio Balona; ‘Sambas na passarela’ e ‘Ritmos na passarela’, de 1961; ‘Férias no Drink’, de 1962, e ‘Convida a dançar’, de 1963, de Celso Murilo, que, assim como Balona, é mineiro, e ‘Weekend in Rio’ e ‘Weekend in Guarapari’, de 1963, e ‘Trio Vagalume na bossa’ e ‘Volume 4’, de 1964, do capixaba Hélio Mendes. Como lembra Ruy Castro no texto de apresentação da caixa, são discos que chegavam a furar de tanto tocar nos anos 1960.
“Interessante verificar que, naquela época, rolava simultaneamente uma paixão pelo jazz e pela música brasileira, via Ary Barroso, Dorival Caymmi e Tom Jobim, que já começavam a dominar a cena”, afirma Célio Balona. Em comum, segundo ele diz, os músicos mineiros de então tinham a atração pelo jazz, do qual se originou a bossa nova.
“Em Minas, além da paixão que despertou também nos outros estados, a bossa foi berço do Clube da Esquina”, afirma o produtor Marcelo Froes, lembrando que Milton Nascimento e Wagner Tiso, recém-chegados do Sul do estado, tocaram com Célio Balona e chegaram a gravar com Pacífico Mascarenhas, um dos maiores nomes da bossa no estado, no célebre Sambacana.
Balona lembra ainda de Roberto Guimarães, que teve o seu ‘Amor certinho’ gravado por ninguém menos do que João Gilberto, o papa da bossa nova. Os dois primeiros discos de Balona incluídos na caixa ‘Bossa é bossa’ trazem gravações de Ary Barroso (‘Inquietação’), Johnny Alf (‘Céu e mar’), Ataulpho Alves (‘Mulata assanhada’), Tom Jobim e Vinicius de Moraes (‘Garota de Ipanema’) e composições. Ele toca vibrafone e flauta e divide os vocais com Nazário Cordeiro em ambos os álbuns.
JINGLE É dessa época o jingle ‘Cha cha cha’, em que Balona produziu um pot-pourri dos jingles mais famosos de então, estourando nas rádios de Belo Horizonte. Natural de Visconde de Rio Branco, na Zona da Mata, Célio Balona começou a tocar acordeom profissionalmente aos 15 anos. Sua turma de músicos incluía Chiquito Braga, Pascoal Meirelles, Aécio Flávio, Dino, Helvius Vilella e Paulo Horta.
Já Celso Murilo, que voltou às origens, em Baependi, no Sul de Minas, depois da carreira de sucesso no Rio de Janeiro, tocou com Miltinho, Wilson Simonal, Dóris Monteiro, Tom Jobim e João Gilberto, que o chamava carinhosamente de Mineirão. João Roberto Kelly (‘Boato’), Baden Powell e Billy Blanco (‘Samba triste’), Sérgio Ricardo (‘Zelão’) e Geraldo Pereira (‘Falsa baiana’) estão entre os autores gravados pelo tecladista.
O maestro e pianista capixaba Hélio Mendes, por sua vez, criou o próprio conjunto, cuja formação variava de cinco a oito músicos, paralelamente ao Trio Vagalume, bastante conhecido entre os amantes da bossa nova. Hélio morreu em 1991. Marcelo Froes recorda que, com a ida de Walter Wanderley, Sérgio Mendes e João Donato para o exterior, na época, tecladistas como Célio Balona e Celso Murilo, em Minas, e Helio Mendes, no Espírito Santo, passaram a garantir a sobrevivência da bossa nova no circuito nacional.
“Disco foi um sonho do passado”
A inclusão no box ‘Bossa é bossa’ dos dois primeiros discos de Célio Balona, originalmente gravados e lançados em Belo Horizonte, inaugura parceria de Marcelo Froes com o empresário Dirceu Cheib, da Bemol.
“Colocamos à disposição do Marcelo todo o acervo da Bemol. Disco para nós foi um sonho do passado. Torço para o sucesso dos projetos dele”, afirma Cheib, que, em 1962, criou o selo MGL – Minas Gravações Ltda., pelo qual lançou Balona. Em 1967, Cheib abriu seu próprio estúdio, no qual gravou mais 50 discos pela Bemol e outros cerca de 500 para diversos selos, em 48 anos de atuação no mercado mineiro.
A ideia de Marcelo Froes é lançar todo o acervo da pequena gravadora mineira que, segundo afirma, já está sendo digitalizado. A última incursão de Dirceu Cheib na área foi ‘JK em serenata’, a participação do ex-presidente da República que, apesar do potencial para ganhar repercussão nacional, foi literalmente cassado com a edição do Ato Institucional 5 (AI-5), em dezembro de 1968, que recrudesceu a ditadura militar no país.
Desde então, o empresário mineiro passou a alugar o estúdio da Bemol, pelo qual já passaram artistas nacionais e estrangeiros, com destaque para a turma do Clube da Esquina e seus seguidores de variadas gerações. “Aqui a gente não faz só projetos solos, há também gravações de trilhas sonoras para cinema e de outros produtos audiovisuais”, diz. Milton Nascimento, Tavinho Moura, Toninho Horta, Beto Guedes e Lô Borges são alguns dos artistas que já gravaram e/ou produziram discos na Bemol. Atualmente, o estúdio está a cargo do produtor Rafael Vidigal, que prepara uma homenagem ao cavaquinista Waldir Silva, já morto.