O Charles Chaplin do pop choroso. Para o jornalista Jeff Apter, esse foi o papel desempenhado pelo The Cure na década de 1980. Principalmente em 1986, quando o quinteto britânico atingiu o auge. A banda, em alta nas paradas de sucesso, havia acabado de lançar o clipe In between days na MTV, que o recebeu muito bem. Ao videoclipe excêntrico dirigido por Tim Pope somou-se, semanas depois, uma reportagem da Rolling Stone americana comparando o frontman Robert Smith a uma versão masculina de Kate Bush, devido à sua estranheza sedutora. Tudo isso na efervescência de uma turnê pelos EUA com estádios lotados.
No entanto, o grupo de atmosfera sombria não tem um caminho baseado apenas em glórias. Num dos espetáculos, uma pessoa que assistia ao Cure, em Los Angeles, se automutilou durante a apresentação. O público o aplaudia, pensando que o gesto extremo fazia parte do show gótico. Um trauma para quem estava na plateia, sentido também pelos integrantes.
Segundo Jeff Apter, ao saber da tragédia com o fã, morto alguns dias depois, a força criativa e ponto central do Cure, Smith, chegou a pensar se o grupo não seria amaldiçoado. São essas as particularidades esmiuçadas pelo jornalista no livro Nunca é o bastante — A história do The Cure, biografia não autorizada da banda lançada recentemente.
Junto ao livro de Apter pelo menos quatro biografias de roqueiros — sejam elas autorizadas ou não — surgem na prateleiras das livrarias, comprovando a predileção das editoras por esse tipo de perfil (confira quadro). Boa parte do sucesso desse nicho se dá pela personalidade irrequieta dos roqueiros. Uma vida entre sexo, drogas e rock’n’roll, para o bem e para o mal, rende incontáveis histórias, como as que Apter conta em Nunca é o bastante.
De acordo com ele, para chegar a um bom resultado ao biografar um rockstar, como já fez com os integrantes do Red Hot Chlli Peppers, Jeff Buckley e Dave Grohl, o ideal é manter certa distância, e evitar, se for possível, recorrer a escândalos e controvérsias que não levam a nada. Atitude que, algumas vezes, é inevitável. “É melhor nunca chegar muito perto daquelas pessoas cuja música você admira, pois você pode simplesmente descobrir que eles são falhos como nós”, comenta, em entrevista exclusiva ao Correio.
Persistência
O subtítulo de livro de Jeff Apter seria Uma banda que se recusou a morrer. Mas, dessa forma, o escritor australiano entregaria boa parte do objetivo da publicação. Ele mesmo é um fã declarado do donos do hit Boys don’t cry desde a década de 1980. “É um grupo que sobreviveu a modismos musicais, tendências e mudanças. Essencialmente, o livro é a história longa e sinuosa de uma banda — ou, mais especificamente, de Robert Smith e amigos — que tem conseguido manter uma base de fãs dedicados”, explica.
Um dos fãs que se recusam a aceitar que o grupo tenha caído no esquecimento ou no ostracismo é o músico Paulo Mesquita, que, como a banda Os Brancos, se apresenta como cover do The Cure em bares e casas noturnas da cidade.
“É um dos grupos que realmente conseguiram fazer um som alinhado à imagem como poucas vezes se viu. Smith sempre odiou ser taxado como um artista dos anos 1980 porque a obra não acabou, ela continua viva. Ele é singular na nossa cultura pop contemporânea. Apesar de ter 30 anos de carreira, continua lançando álbuns”, defende o cantor, que se apresenta na próxima sexta-feira no Bar Santa Fé, em Águas Claras.
“Tive acesso ao livro em 2011 na edição em inglês e, como grande fã, fiquei surpreso com a qualidade do trabalho. Vários aspectos nunca divulgados da banda foram explorados. Uma leitura honesta, direta e sem sensacionalismos desnecessários”, comenta Walison Abreu, líder e baixista do Cure Show, banda em tributo ao The Cure de Belo Horizonte. “A responsabilidade de quem escreve biografias de roqueiros, como a do Cure, é muito grande por questões relacionadas à veracidade das informações e pela reação da legião de fãs que a banda possui. Pode ser uma publicação de muito sucesso, assim como pode ser catastrófico”, acrescenta outro fã do Cure, o funcionário público brasiliense Allexandre dos Santos Silva, que o homenageava com o grupo Plugged.