Os zumbis talvez sejam os monstros mais versáteis do cinema. Eles evoluíram junto com os gêneros de horror/ficção científica e ainda povoam cenários apocalípticos em séries de tevê, quadrinhos e filmes. Se hoje temos alguma ideia das regras de sobrevivência a um apocalipse zumbi, é graças ao diretor George A. Romero, que praticamente inventou a mitologia moderna sobre a criatura no precursor A noite dos mortos-vivos (1968). O filme é um dos destaques da caixa Zumbis no cinema, da Versátil, que traz mais três títulos representativos do gênero.
A noite dos mortos-vivos, no entanto, transcende o cinema de horror. Romero nos mergulha em um pesadelo interiorano, no qual as pessoas podem ser tão perigosas quanto os mortos que voltam para canibalizar os vivos. O horror de Romero se desdobra em ritmo perfeito, com um roteiro carregado de crítica social. Impossível não associar a violência que permeia o filme com as turbulências que marcaram o final dos anos 1960 – a intensificação da Guerra do Vietnã e o assassinato de Martin Luther King Jr., por exemplo.
No filme, a bizarra onda de assassinatos vem sendo cometida por pessoas recém falecidas que, por conta de um acidente com radiação, retornavam à vida. Não falamos dos monstros desfigurados pela decomposição avançada de The walking dead, dos infectados raivosos de Extermínio (2002) ou das hordas de criaturas digitais de Guerra mundial Z (2013). Há algo de profano e visceral nesses zumbis tão humanos de Romero – características que perderam-se no gênero ao longo das décadas.
Numa vertente mais trash, mas não menos divertida, a caixa ainda nos oferece duas pérolas do horror espanhol: A noite do terror cego (1972), do diretor galego Armando de Ossorio, e Não se deve profanar o sono dos mortos, do catalão Jorge Grau. O primeiro usa cenários da fronteira entre Portugal e Espanha para contar a história de uma seita de cavaleiros templários amaldiçoados que saem de seus túmulos em busca de sangue dos vivos – em especial, de garotas bonitas.
O tom amadorístico do filme não é por acaso. Em um dos extras do DVD, Ossorio revela que o longa foi gravado durante as quatro semanas que tinha de férias da Rádio Nacional, com atores não profissionais. O sangue falso e o flerte com o sexplotation deram resultado, já que o filme originou uma saga de quatro capítulos. Não se deve profanar o sono dos mortos, por sua vez, conta com uma produção mais bem cuidada e usa cenários ingleses para uma história na qual os zumbis são apenas pano de fundo para as tensões entre a contracultura e a tradição.
Outros tipos de monstros ameaçam a humanidade na caixa Clássicos do Sci-Fi, que nos oferece um panorama da ficção científica norte-americana desde os anos 1950 até os anos 1980. Um dos títulos mais fascinantes a compor a coleção é O planeta proibido (1956), estrelado por um galante Leslie Nielsen (o mesmo detetive atrapalhado da série Corra Que a Polícia Vem Aí!).
Conhecido por filmes leves como A coragem de Lassie (1946), o diretor Fred M. Wilcox oferece aqui uma história mais sombria de família – em um contexto de expansão espacial. Uma expedição viaja a um planeta colonizado por cientistas para descobrir que apenas um linguista e sua filha permanecem vivos. O resto da equipe teria sido morta por forças invisíveis do planeta.
A rica narrativa abre espaço para as mais diferentes interpretações do filme. Muitos o associam à peça A tempestade de Shakespeare, na qual um duque, isolado em uma ilha, mantém o controle do lugar por meio de mágica e ilusão. Já o filósofo esloveno Slavoj %u017Di%u017Eek vê na hostilidade impalpável do planeta uma representação dos desejos incestuosos do pai em relação à filha.
Em Fuga no século 23 (1976), avançamos dois séculos para descobrir um futuro em que a sociedade vive hedonisticamente em uma colônia isolada das ruínas da Terra. O problema é que todos devem morrer ao completar 30 anos. Os cenários luxuosos dessa hermética cidade parecem até ter se inspirado na paisagem urbana de Brasília, com seus espelhos d’água e edifícios em forma de pirâmide.
Zumbis no cinema
De George A. Romero, Jorge Grau, Armando de Ossorio e Fred Dekker. Com Duane Johnson, Cristina Galbó, César Burner e Jason Lively. Versátil Home Video. Não recomendado para menores de 18 anos. R$ 69,90 ****
Clássicos Sci-Fi
De John Carpenter, Jack Arnold, Fred M. Wilcox e outros. Com Roddy Piper, Richard Carlson, Leslie Nielsen, Anne Francis, Norma Bengell. Versátil Home Video. Não recomendado para menores de 14 anos. R$ 94,40 ****