A tranquilidade na voz de Lázaro Ramos não reflete o clima de intensa atividade ao seu redor. Somente em maio, o ator de 36 anos poderá ser visto nos cinemas com três propostas bem diferentes: a comédia Sorria, você está sendo filmado, de Daniel Filho, com lançamento marcado para o dia 7; o suspense O vendedor de passados, em cartaz a partir do dia 21; e O grande Kilapy, uma coprodução entre Brasil, Portugal e Angola. Paralelamente aos filmes, Ramos explora outras áreas da dramaturgia ao assumir a codireção da peça O campo de batalha. No comando do programa Espelho, no ar há 10 anos no Canal Brasil, ele participa desde a concepção estética, até a edição dos episódios. Além disso, o ator se prepara para lançar seu segundo livro infantil, Caderno de rimas do João. Em entrevista, Ramos fala sobre as transformações no mercado audiovisual e na sociedade, e demonstra entusiasmo com as novas janelas abertas para o intercâmbio de ideias.
Atrás das câmeras
“A direção tem me encantado mais a cada dia. E escrever. Eu tenho muita dificuldade em escrever. Não consigo escrever sob encomenda, por exemplo. Mas eu gosto muito de escrever, às vezes colocar uma ideia no papel e poder sonhar a partir de outros lugares. O sonho dos atores, às vezes, é um pouco limitado. A gente pega um texto e se apaixona como se fosse nosso, defende como se fosse nosso, mas nem sempre é a maneira que a gente sonha, que a gente vê o mundo. Como diretor e como escritor, a gente pode sonhar outros sonhos. Para o cinema, estou com um projeto, mas indo com muita calma e paciência, porque sei da responsabilidade que é dirigir um projeto para cinema. Para você dirigir um filme no Brasil, você precisa ser também produtor, entender de mecanismos de distribuição e ter conhecimento para aproveitar as novas plataformas que existem hoje em dia para um filme”.
A comédia brasileira
“A proposta de Daniel Filho para nós atores é um grande desafio e um grande risco. Sorria, você está sendo filmado é um filme feito com planos longuíssimos, o que faz com que a sua atuação tenha que ser muito mais precisa. Hoje em dia fala-se muito na comédia, que a comédia está atraindo o público, e eu tinha vontade de retornar à comédia em cinema para ver o que acontece. Eu fiz O homem que copiava, Saneamento básico e Ó paí, ó, que são comédias, mas eram de um outro momento da relação do público brasileiro com o gênero. Eu tinha muita vontade de ver como seria essa relação agora”.
Diversidade no circuito
“Eu vejo com ressalva algumas críticas que fazem às comédias pelo seguinte: a questão em um país com 200 milhões de habitantes não deveria ser por que as comédias estão fazendo tanto sucesso. Para mim, a grande questão hoje são os filmes que não obedecem a uma cartilha de gênero e que não conseguem encontrar seu público. Fico me perguntando se filmes como Madame Satã, Amarelo manga ou Cidade baixa encontrariam seu público se eles estreassem agora. Será que eles encontrariam salas de cinema disponíveis para que o público tivesse acesso a esses filmes?”
Busca pela identidade
“O vendedor de passados é um filme que não faz parte de nenhum dos três gêneros mais procurados no cinema hoje em dia: as comédias, os filmes de violência urbana e as biografias. É um outro estilo. Conta a história de um homem que, por não ter identidade, acaba criando uma profissão na qual inventa novos passados. Se a gente quiser avaliar isso como uma metáfora, o filme fala sobre um sentimento contemporâneo de insatisfação com a sua identidade. A gente pode citar como exemplo os perfis falsos de internet, que as pessoas usam para dizer coisas que não diriam se estivessem cara a cara com alguém, e até a quantidade de cirurgias estéticas que nós temos no Brasil.”
Excesso de informação
“Hoje temos mais mecanismos para encontrar informações, mais maneiras de nos expressar, de encontrar pessoas, opiniões e pontos de vista que há pouquíssimo tempo atrás a gente não tinha acesso. Antes, a gente tinha uma curadoria que nos indicava caminhos e reflexões. O que falta, no fundo, é educação, capacitação e senso crítico para a gente avaliar as informações que a gente recebe. Às vezes, o excesso de informação sufoca, e, para se livrar um pouco daquilo, a gente vai vomitando sem processar as informações”.
Inquietações no país
“Vivemos um momento de adaptação, estamos entendendo quem nós somos. A gente passou por um período de euforia, de grandes transformações positivas, e depois algumas decepções. Só que o primeiro caminho encontrado, acho eu, depois da euforia, foi o dos extremos, como se os extremos trouxessem alguma resposta definitiva. Precisamos recuperar a escuta para fazer debates e argumentações que sejam menos para vencer uma briga e mais para conseguir encontrar um caminho ideal para que possamos ser um país pleno”.
Enxergar o outro
“O campo de batalha fala de convivência. Fala de duas pessoas não podem sair daquele lugar, que precisam conviver e se escutar. A gente passa a enxergar o outro um pouco mais de perto. E isso é o que eu acho positivo de tudo que está acontecendo hoje em dia. Todo tipo de gente consegue se expressar e temos que conviver com a diversidade. Claro que em um primeiro momento isso traz alguns conflitos que parecem que nunca vão se solucionar, mas, por outro lado, isso faz com que a gente veja o outro um pouco mais de perto e um pouco mais sem máscara”.
Racismo
“A nossa tendência é naturalizar essa situação. É muito natural que num restaurante muitas vezes só tenha eu como negro. É muito natural que a maioria nos presídios, favelas e manicômios tenha a tez mais escura. Na verdade, isso tinha que ser motivo de indignação. Cada vez mais a gente discute, cada vez mais as pessoas expressam sua opinião, sua insatisfação, mas ainda tem uma certa naturalização do assunto que a gente precisa perder”.
Novas plataformas
“O que eu acho legal é que hoje as plataformas para você exibir um filme são mais variadas. É importante a gente saber que um filme não se conclui somente na sala de cinema. Os filmes on demand têm grande importância. A possibilidade de você acessar o filme a hora que você quiser, na sua casa ou através da internet, é um grande caminho. Eu fico fascinado até hoje quando estou no aeroporto e vejo um filme no meu celular — e me toca como se eu estivesse assistindo na minha casa. O filme on demand é comercial ou é de festival? Acaba que é um filme que obedece apenas ao desejo de uma pessoa que foi buscar aquela história, porque a tocou por algum motivo. É importante a gente saber, para não ficar só na ansiedade das salas de cinema”.
Intercâmbio lusófono
“As coproduções são muito difíceis de serem feitas, é muito difícil conseguir financiamento. É muito difícil viajar para filmar em três países diferentes. É muito difícil encontrar uma história que toque a todos os países e a todos os públicos. Mas O grande Kilapy é um filme que, apesar de todas dificuldades e deficiências que tem, achei muito importante ser feito, porque ele indica um caminho que talvez se abra mais para frente. Um caminho de encontro, de busca de histórias que toquem a todos nós, de intercâmbio entre profissionais de diferentes países. O diretor de fotografia, alguns atores que encontrei, de Moçambique, de Portugal e de Angola, me tocaram profundamente pela qualidade do seu trabalho. Um ator como Gael García Bernal consegue transitar nos países de língua espanhola, eles se visitam constantemente. Isso a gente não faz. Então, o filme, para mim, é uma semente que foi plantada e talvez o fruto dessa semente a gente colha só daqui a muito tempo”.
Conciliar projetos
“Tem alguns projetos que eu preciso isolar. O Espelho, por exemplo, todos os anos eu faço de maneira isolada. Eu paro a minha vida para cuidar do Espelho. Esse ano, inclusive, eu queria resgatar algumas características que o programa teve antes. Isolei um período da minha vida para rever características estéticas do programa, o tipo de câmera, os enquadramentos, a maneira de tratar os temas, a seleção dos entrevistados. Outros projetos acho bom fazer juntos porque eu fujo do tédio. Quando eu encontro um problema em algum trabalho, acho que eu resolvo melhor quando eu saio dele. Na época d’O campo de batalha, eu estava escrevendo o Caderno de rimas do João também. Sair do ensaio da peça e voltar para casa e escrever um pouquinho do meu livro era muito bom, porque eu ficava sempre com uma novidade na minha cabeça”.
Entrevistador
“Com todos os entrevistados do Espelho eu tento ser o mais sincero e aberto possível para que se sintam à vontade. Há alguns temas que me afetam muito. Às vezes, eu tenho até que me controlar para não reagir demais, porque eu fico muito tocado com algumas demonstrações das pessoas. A entrevista com o Hamilton Borges (líder do movimento Reaja ou Será Morto, de Salvador) tinha uma dureza e uma crueza, e tudo o que ele falava me deixava muito afetado. Já o programa com o Dedé — tem uma coisa lúdica naquele senhor que fez parte da nossa infância, com Os trapalhões, e o meu olhar fica brilhando o tempo todo, escutando o que ele estava dizendo”.