Na Angola pós-guerra civil, Felix Ventura, um negro albino, se dedica a uma profissão nada ortodoxa: inventar passados gloriosos para pessoas que têm o que esconder (geralmente políticos, militares e empresários que estiveram envolvidos com os conflitos).
Felix é um personagem criado pelo escritor angolano José Eduardo Agualusa para o romance ‘O vendedor de passados’ (2004), uma sátira política do passado recente de seu país. A narrativa chega hoje aos cinemas, com o mesmo título, mas uma história bem diferente da original.
Segundo longa-metragem de ficção de Lula Buarque, ‘O vendedor de passados’ traz como protagonista Vicente Garrido (Lázaro Ramos). Dedicando-se a criar uma vivência anterior para pessoas que necessitam dela para seguir em frente (como um homem com mais de 30, virgem, que quer ter sido casado para finalmente encontrar um par), ele se depara com uma cliente que faz com que questione sua própria história.
Sem nome, ela (Alinne Moraes) chega à casa de Vicente e pede que ele invente um passado. Não dá qualquer informação a ele, mas pede que, na narrativa inventada, tenha cometido um crime. Desta maneira, nasce “Clara”, uma mulher que tem sua infância ligada à ditadura argentina. Vicente acaba envolvido pela mulher que inventou.
Com um filme que questiona identidade, memória e a ditadura da imagem, Lula Buarque afirma que ‘O vendedor de passados’ busca inspiração no cinema argentino. “É o cinema mais perto da gente que conseguiu falar com as pessoas apresentando questões muito parecidas com as nossas. Um filme como ‘Um conto chinês’ (2011, de Sebastián Borensztein) fez um público de 2 milhões de pessoas. A produção argentina tem entrosamento com a sociedade, coisa que o Brasil ainda está tateando.”
Buarque é um dos fundadores da Conspiração Filmes. Para o cinema, realizou dois documentários (um sobre Pierre Verger e outro sobre a Portela) e uma comédia com os humoristas do Casseta e Planeta – ‘A taça do mundo é nossa’, de 2003).
“Quando nos reunimos para fazer a Conspiração (no início da década de 1990), não havia uma tradição de cinema no Brasil, ela havia parado no Cinema Novo. (Na época) A gente preferiu não entrar na TV e utilizar a publicidade como meio de subsistência. Dessa maneira, senti-me muito livre para experimentar diferentes formas”, diz ele, que no período atuou na direção de documentários musicais (para Marisa Monte, Gilberto Gil e Milton Nascimento).
Ele acredita que o roteiro ainda é o grande empecilho para que o cinema nacional decole. “Estamos amadurecendo, mas ainda não chegamos lá”, afirma o diretor, que, em seu próximo projeto, vai novamente filmar um roteiro adaptado. Será ‘Leite derramado’, inspirado no romance do tio Chico Buarque.
Assista ao trailer de ‘O vendedor de passados’: