Caminhoneiros passam por dificuldades em crise do coronavírus
Motoristas enfrentam falta de restaurantes e oficinas abertas. Polícia Rodoviária e Sest/Senat têm feito parceria com distribuição de almoço e sabonetes para minimizar o problema
Durante os últimos 10 dias, a rotina do catarinense Mayckon César, de 35 anos, foi sempre a mesma: percorrer as longas estradas esburacadas do Brasil dentro de seu caminhão para garantir seu sustento e levar a mercadoria aos estabelecimentos comerciais. Vindo diretamente de Pernambuco, o caminhoneiro passou por muitas dificuldades nos últimos dias com a expansão do coronavírus no país. Além da falta de restaurantes abertos, ele encontrou borracharias e oficinas fechadas para dar manutenção para o veículo.
Mayckon optou por trazer a esposa e a filha de oito meses dentro do caminhão, já que vários ônibus tem sido barrados nos limites estaduais – eles seguiriam para Governador Valadares, onde residem. Para se adaptar à nova rotina, o motorista adaptou uma cozinha em seu caminhão para fazer as refeições diárias.
Temos que saber sobreviver numa hora dessas. Não sou muito de entrar em restaurantes, porque é caro. Mas temos encontrado vários problemas com essa pandemia, pois dependemos de bons mecânicos, borracharias, e todos estão fechados nos últimos dias
ressalta o motorista.
Para evitar que os vários caminhoneiros do país tenham dificuldades, a Polícia Rodoviária Federal (PRF), em parceria com o Sest/Senat e diversos voluntários, tem feito multirões nas estradas do país para distribuir refeições e kits de higienes aos motoristas.
Nos próximos dias, os policiais estarão em 135 pontos estratégicos no país dando assistências aos profissionais do volante. Além das “quentinhas”, eles recebem refrigerantes e sabonetes.
Todos estão enfrentando problemas, mas precisamos ajudar nossos caminhoneiros para que não falte alimentos para todos nós daqui para a frente
diz o presidente do conselho regional do Sest/Senat, Rubens Lessa.
A PRF não tem se envolvido na regulação dos comércios de beira de estrada, ficando sempre sob responsabilidade dos donos de estabelecimento a opção de trabalhar ou ficar em quarentena. Mesmo assim, muitos comerciantes escolheram ficar com portas fechadas ou apenas trabalhar no fornecimento de marmitex.
As pessoas têm que seguir as orientações das autoridades de saúde. Não há nenhuma determinação da Polícia Rodoviária em relação aos restaurantes das estradas
diz o inspetor da PRF, Aristides Júnior.
Motorista há 24 anos, Daniel Sorriso, de 42, tentou se virar do jeito que conseguiu para comer e dar manutenção ao seu veículo. Ele viajou de Belo Horizonte para Ipatinga e andou muito para achar um restaurante aberto. “Mesmo assim, nos ofereceram apenas um marmitex frio. A alimentação nesse período do coronavírus tem sido dificuldade. Também foi difícil encontrar um banheiro”. Ele esteve há várias horas parado à espera de um conserto mecânico no caminhão, já que a oficina estava trabalhando com metade da equipe.
Daniel também se precaveu em relação à transmissão da doença. Em seu caminhão, ele dirige com luvas e usa máscaras, além do tradicional álcool em gel, que ele aplica a todo momento no painel da cabine. “Temos que estar protegidos. Sempre evito contato direto com outros caminhoneiros”.
Outro motorista, Fábio Francisco Peixoto, de 48, já sabia dos riscos de encontrar restaurante fechado e levou sua própria comida no caminhão. Ele partiu cedo nesta manhã de sexta-feira de Arcos, no Centro-Oeste de Minas, para chegar a Ipatinga, onde descarregaria sua mercadoria.
Tenho visto os noticiários e os problemas que todos passam. Por isso, optei por levar minha comida. Mesmo que tenha lugares que fornecem, nunca se sabe quando podemos parar na estrada
Mesmo com diversas mensagens em redes sociais no intuito de promover uma greve geral, sindicatos dos caminhoneiros em todo o país asseguram que a classe não vai parar suas atividades durante o período de pandemia no Brasil. Apenas os profissionais acima de 60 anos têm sido afastados, por estarem no grupo de risco.
Uma portaria foi publicada nesta sexta-feira considerando que postos de combustíveis e restaurantes em beiras de estrada são essenciais para permitir o transporte de alimentos. A medida surgiu justamente por reclamações dos motoristas.
Na última greve da categoria, em maio e junho de 2018, o país viu faltar combustíveis nos postos e os supermercados ficarem desabastecidos – o preço da gasolina e do álcool disparou em Belo Horizonte. A classe só voltou atrás depois que o presidente Michel Temer autorizou redução do óleo diesel em R$ 0,46 por litro na bomba.