Conheça as maranhenses importantes para a história
Essas mulheres fortes e destemidas, não pouparam esforços para serem construtoras de seus próprios caminhos. Hoje, elas fazem parte da nossa história
Falar de mulher é falar de força, de entrega, de paixão. Falar delas é falar de amor, de ternura, de cumplicidade. Falar de mulher é tarefa difícil. Quase impossível. Mas falar de mulher também é falar de luta, de perseverança, de conquistas. Historicamente relegada ao papel de submissa, dona do lar, cuidadora das crianças, as mulheres foram obrigadas a ficar muito tempo sem voz, sem poder de expressão.
A atualidade, porém, não tem sido nem um pouco sutil ao mostrar que essa conjuntura não é mais a mesma. As mulheres não se permitem mais à passividade e à submissão inquestionável que dantes sofriam. Querem e têm muito mais voz e vez. Mas engana-se, também, quem pensa que esse cenário começou a ser moldado nos últimos anos.
Vejamos o Maranhão, por exemplo. O estado é berço de muitas histórias. Histórias de luta e de vitórias. Mas há quem desconheça que muitas delas foram protagonizadas por mulheres de fibra, que nasceram séculos atrás. Mulheres à frente do seu tempo, que não pouparam esforços para serem ouvidas, para deixarem sua marca.
O Imparcial selecionou cinco grandes personalidades femininas que fizeram e fazem parte da história do nosso estado. Por conta de suas trajetórias, a história do nosso estado possui páginas e capítulos especiais. Vale a pena conferir.
Ana Jansen (1793 – 1879)
Ana Joaquina Jansen Pereira nasceu em São Luís, filha de pais europeus. Pouco se sabe sobre sua infância, mas passou a ser notável mesmo na adolescência. Ana engravidou e se tornou mãe solteira. À época, a sociedade repudiava veementemente esse tipo de situação. Logo, o pai de Ana Jansen obrigou sua filha a sair de casa.
Tendo que criar o filho fora de casa, ela passou por dificuldades uma vez que não tinha boa condição financeira. Foi então que ela conheceu o coronel Isidoro Rodrigues Pereira, um homem casado de quem se torna amante. Quando da viuvez do coronel, Ana se casa com Isidoro. Agora reintegrada à sociedade, Ana Jansen mirou uma oportunidade de fazer história. Após alguns anos, Ana Jansen ficou viúva e tudo que era de Isidoro Rodrigues passou a ser administrado por ela.
Despontou, também, no cenário político, quando começou a ter muita influência na sociedade. Tudo isso gerou a revolta da sociedade machista da época, que não se contentou ao ver alguém que Ana Jansen, de mulher solteira expulsa de casa, agora tinha poder de compra, de persuasão e muita proeminência social.
Ana Jansen começa a ser chamada de Donana. Uma figura controversa, principalmente por conta dos boatos de que era muito má com seus escravos, ela representou muito na luta feminina. De renegada, passou a ser respeitada e influente. A lenda que diz respeito à crueldade de Ana Jansen ainda assusta, mas sempre é bom questionar: Donana foi uma mulher à frente do seu tempo ou uma pintura mal intencionada da sociedade? Ou será que foi as duas coisas?
Maria Firmina dos Reis (1825 – 1917)
Escritora maranhense, Firmina dos Reis completaria 100 anos em 2017. Homenagens não faltaram a essa figura que ajudou a escrever a história do nosso estado. Tinha tudo para ser alguém renegado, esquecido e pouco valorizado: era pobre, mulher e negra. Firmina, no entanto, não se deteve.
Quando tinha 22 anos, ela concorreu e conseguiu aprovação para a cadeira de Instrução Primária em Guimarães. Lá, ela exerceu o cargo de professora de Letras até o ano de 1881. Mesmo com o preconceito exalando de cada canto da sociedade, a escritora continuava em sua luta em favor do abolicionismo, já bastante comentado na época.
Após anos produzindo conteúdo para a imprensa local, Maria publicou “Úrsula” em 1859. A obra foi uma ode ao abolicionismo, em que ela relatava nitidamente a crueldade do regime escravagista no século XIX. Muitos estudiosos apontam a obra como a primeira de teor abolicionista no Brasil e a autora como a primeira romancista brasileira.
Maria Firmina ainda foi a responsável pela composição do Hino à Libertação dos Escravos, durante o período de grande efervescência, quando surgiam várias revoltas em desfavor da escravidão. Viveu para ver seu povo sendo liberto, em 1888.
Morreu, no entanto, pobre e cega, em 1917. Foi-se, talvez, sem ter noção do quanto seria lembrada pela sua luta, garra e coragem.
Lilah Lisboa (1898 – 1979)
FIlha de um português com uma brasileira, Lilah Lisboa nasceu em São Luís e sempre teve uma educação de esmero. Mesmo estudando em países importantes como a Inglaterra e Portugal, foi no Brasil que seu talento foi denotado. Formou-se pianista no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, uma das academias musicais mais preponderantes do século XX.
Lilah foi aluna de Heitor Villa-Lobos, um dos maiores músicos que o Brasil já teve. Lógico que, durante sua educação musical, seus dons foram observados e sublinhados. Em uma carta dirigida ao governante do Maranhão, Dr. Paulo Ramos, Lilah recebeu menção e bastante destaque.
Em São Luís, ela dava aulas particulares de piano em casa, mas também usava seu tempo para lecionar aulas de música no Liceu Maranhense, na Escola Técnica e no Colégio São Luís. Um grande feito de Lilah foi a criação da Sociedade de Cultura Artística do Maranhão, um passo para o nascimento da Escola de Música e Artes Plásticas do Maranhão.
Cinco anos antes de sua morte, Lilah Lisboa conseguiu através do Decreto Lei 5.267, de 21/07/74, ver a Escola de Música do Estado do Maranhão (EMEM) sendo inaugurada. Mesmo sem saber, seus dedos no piano ajudaram a construir grande parte da trajetória cultural do nosso estado. Hoje, são centenas de alunos formados pela EMEM e que, através de sons e cantos, constroem a história do Maranhão.
Maria Aragão (1910 – 1991)
Nascida em 1910, no município de Pindaré-Mirim, Maria José de Camargo Aragão chegou à capital maranhense ao seis anos de idade. Embora pobres e semianalfabetos, os pais de Maria sempre valorizaram a educação da filha, que mais tarde retribuiria todo esse esforço.
Tornou-se professora normalista em São Luís. Em 1934, ela precisou viajar para o Rio de Janeiro, para acompanhar a mãe que precisava realizar um tratamento de câncer. Infelizmente, a mãe de Maria Aragão faleceu, mas a filha decidiu ficar na capital fluminense para estudar. Talvez na tentativa de ajudar outras pessoas que passavam pelas mesmas situações que sua mãe passou, Maria decidiu cursar a Escola de Medicina e Cirgurgia.
Especializada em Pediatria, ela também foi uma das responsáveis pela criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Agora professora, médica e sindicalista, Maria Aragão lutou incansavelmente pela organização dos trabalhadores, por um ensino de qualidade e pela saúde pública de excelência. Inquieta com tantos impropérios políticos da época, ela foi presa após o fim da Greve Geral de 51.
Dez anos depois da primeira prisão, Maria Aragão viajou, para a extinta União Soviética, onde também se especializou. No ano seguinte, ela volta para o Maranhão, onde sua luta em favor dos trabalhadores, das crianças e dos estudantes continuou. Maria Aragão se foi em 1991, mas seu legado permanece até hoje, na história e até mesmo na arquitetura. Treze anos depois de sua morte, uma das maiores e mais importantes praças de São Luís foi erguida levando o seu nome.
Dona Teté (1924 – 2011)
Foi em alguma das ruas do bairro Coroadinho, em São Luís, que, em 1924, nascia a mulher que ensinou o maranhense a rebolar de verdade. Rodeada por muitas manifestações culturais, Almerice da Silva Santos, a Dona Teté, desde criança já sentia curiosidade pelas marcantes batidas das caixas do Divino, que dão o tom de uma das danças mais populares do Maranhão: o cacuriá.
A família de Teté não costumava participar das manifestações, mas isso não parou a destemida Almerice. Segundo o relato jornalístico divulgado em novembro do ano passado, através do repórter Fernando Costa, do jornal O Imparcial, Teté improvisou uma cerca no quintal de sua casa, que dava acesso à casa vizinha, onde ocorriam as festas.
Negra e pobre, Almerice estudou somente até a primeira série do Ensino Fundamental, mas o que lhe faltava de conhecimento acadêmico, sobrava-lhe de sabedoria popular. A vida artística de Teté iniciou efetivamente quando ela tinha 50 anos de idade. Após participar de alguns grupos de tambor de crioula e cacuriá, foi fundado, em 1986, o Cacuriá de Dona Teté, grupo que leva a dança sensual entre pares, marcada pela batida contundente das caixas do Divino.
Nos meses de junho e julho, era fácil ver Dona Teté e seu grupo abrilhantando os arraiais da cidade. Desbocada, empoderada e irreverente, Teté era a alma daquela dança. E, mesmo depois de um AVC que vitimou a Matriarca do Rebolado, em 2011, o Cacuriá de Dona Teté permanece vivo, firme e forte fazendo a alegria dos maranhenses. Se estivesse viva, eu mesmo faria questão de dizer a ela: “Sim, Dona Teté, foi você que ensinou o povo a dançar Cacuriá”.