Dona Teté e a história do Cacuriá
Inúmeras vezes Dona Teté repetia que, quando morresse, queria ser lembrada como aquela que ensinou ao povo a dança do cacuriá
Almerice da Silva Santos, nascida em 1924, no bairro do Batatã/Coroadinho, em São Luís, ganhou no batismo, enquanto era batizada, nas mãos do padre, o apelido de Teté. Afinal, Almerice era um nome muito longo e forte para uma menininha que era tão pequena e parecia tão frágil, segundo o sacerdote.
Nascida em uma região que fervilhava cultura, Teté cresceu rodeada de ladainhas e batidas de caixeiras. Aos 8 anos de idade, a curiosidade infantil a fez aprender a tocar Caixa do Divino – instrumento que seria seu companheiro mais tarde.
Como ninguém da sua família gostava de participar de manifestações populares, ela teve que improvisar uma passagem na cerca do seu quintal para poder ter acesso à casa vizinha, onde ocorria as festas.
Para os desavisados, o cacuriá é uma dança típica do Maranhão. Ela surgiu como parte das festividades do Divino Espírito Santo – festa que ocorre no dia de Pentecostes, sete semanas após a Páscoa, com a intenção de celebrar o dia em que o Espírito Santo teria descido para encontrar os doze apóstolos. Durante a festa, várias danças são apresentadas como o Tambor de Crioula e o Carimbó. Após as apresentações, como forma de extravasar e se divertir, as coreiras dançam o cacuriá.
Voltemos à história de Dona Teté. Criada com a avó paterna e a madrinha – pois perdeu a mãe aos quatro anos de idade e o pai aos quatorze – Teté passou a adolescência na rua do Cisco, hoje Riachuelo, no bairro do João Paulo. Aos 12 anos, começou a trabalhar como empregada doméstica.
Como precisava trabalhar, Tété estudava em casa, fazendo cartilha – livro que ensina os primeiros rudimentos de leitura –, e cursou apenas a 1ª série do ensino fundamental.
A vida artística de Teté iniciou aos 50 anos de idade, quando começou a participar as festividades do Divino Espírito Santo, promovidas pelo folclorista Alauriano Campos de Almeida, o reverendo “Seu Lauro”, na Vila Ivar Saldanha. Dona – agora já uma senhora – Teté até chegou a participar de grupos de Tambor de Crioula, mas sua grande paixão era o cacuriá.
O rebolado sensual – e polêmico – da dança ganhou destaque por onde passava. O grupo de Cacuriá do Seu Lauro recebeu um convite do Laboratório de Expressões Artísticas (Laborarte) para ensinar o toque de caixa do Divino para uma peça teatral. Foi aí que Dona Teté assumiu o posto de mestre e passou a repassar seus ensinamentos.
Em 1986, influenciados pelo Laborarte, nasceu o Cacuriá de Dona Teté. O grupo faz sucesso nacional, principalmente com apresentações em festejos durante o período junino, e internacional, com músicas como “Choro de Lera”, “Jabuti” e “Jacaré”.
Casada com Manoel dos Santos, a quem chamava carinhosamente de “seu Manoel”, Dona Teté teve uma filha. Da sua família, a única pessoa que herdou o gosto pelo cacuriá foi seu neto, Beto, que já foi caixeiro da brincadeira e seu grande parceiro em todas as apresentações.
Após o falecimento de sua matriarca, em 2011, vítima de um AVC, o Cacuriá de Dona Teté continuou o seu legado e não deixou a caixa silenciar. Hoje, é reconhecido pelo seu alto-astral, irreverência e é referência em produção cultural no Nordeste.
Inúmeras vezes Dona Teté repetia que, quando morresse, queria ser lembrada como aquela que ensinou ao povo a dança do cacuriá.
Muito obrigado por ter nos ensinado, Dona Teté.