Em 55 dias, mais de 14 mil trabalhadores pedem seguro-desemprego no Maranhão
Com as agências do Sine fechadas, há maranhenses com direito ao seguro e que ainda nem solicitaram
A pedido do portal O Imparcial, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Maranhão (SRTE-MA) divulgou os primeiros dados sobre o desemprego após a Covid-19. Este ano, de 21 de março até o último dia 15 de maio, houve 14.077 solicitações de seguro-desemprego; queda de 17,15%, em relação aos mesmos 55 dias de 2019, quando o total de requerimentos ficou em 16.492. Porém, há casos de maranhenses que foram demitidos na pandemia, têm direito ao auxílio, mas ainda não conseguiram entrar com o pedido.
No Maranhão, as agências do Sistema Nacional de Emprego (Sine) estão fechadas em razão da doença. Os requerimentos são feitos pela internet. Osni Souza, de 42 anos, é bacharel em Administração e gerenciava uma loja de venda de calçados, instalada na Rua Grande, em São Luís. Ele foi demitido em abril, e demorou para conseguir dar entrada no seguro-desemprego. Tentou fazer o pedido pelo aplicativo “Carteira de Trabalho Digital”, mas no momento de registrar as informações aparecia a mensagem “inconsistências no cadastro”.
“Como pelo aplicativo não funcionou, e com os postos do Sine fechados, procurei o Ministério do Trabalho, via e-mail. Por enquanto, estou usando a rescisão, mas estou estudando o que vou fazer para levantar renda, antes que o valor da multa rescisória acabe”, revelou Osni Souza.
O publicitário Pedro Winicius Lopes da Silva (22) foi demitido no dia 16 de março de 2020, e ainda não conseguiu agendar a entrada no seguro-desemprego. “Fiz meu cadastro na plataforma da Carteira de Trabalho Digital, e tentei requerer o benefício por ali. Ocorre que sempre aparecia uma mensagem de erro e, devido a isso, estou até hoje sem o auxílio”, contou Pedro, que estava com 18 meses de empresa quando foi desligado.
A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Maranhão informou que os beneficiários podem dar entrada no seguro-desemprego pelo portal “Emprega Brasil” ou pelo pelo aplicativo “Sine Fácil”. E que, em caso de dúvidas, perguntas podem ser enviadas para os e-mails: atendimento.srtbma@mte.gov.br ou trabalho.ma@mte.gov.br.
Índice oculto
Relatos como o de Pedro Lopes e Osni Souza indicam, mesmo sem índice, que dificuldades no pedido de seguro-desemprego são mais corriqueiras do que se imagina. De acordo com o titular da SRTE-MA, Álvaro da Assunção Melo Veloso, a instituição não faz o cálculo da demanda reprimida, ou seja, de pessoas que têm direito a pedir o benefício e ainda não o fizeram. “Não podemos dar uma estimativa de quantos maranhenses atualmente têm direito ao benefício, pois os requerimentos são tratados em até 48 horas, quando chegam no sistema”, esclareceu Álvaro Veloso.
Porém, uma suposição levantada por economistas é que o cálculo da demanda reprimida poderia ser feito a partir de uma comparação com a média de requerimentos de 2019 enviados por empresários e os pedidos de seguro-desemprego feitos pelos trabalhadores.
As 14.077 solicitações estão distribuídas da seguinte forma:
– 2.375 entre os dias 21 e 31 de março
– 7.268 em abril
– 4.434 nos primeiros 15 dias de maio
– Maioria das solicitações foi feita por homens: 61,32%
– Faixa etária majoritária: de 30 a 39 anos (38,27% dos pedidos)
– Escolaridade predominante na fila do seguro-desemprego: ensino médio completo
Solicitações de seguro-desemprego por áreas de atuação
– Comércio: 37,86%
– Serviços: 36,67%
– Indústria: 7,65%
Empresa demite 400 merendeiras e reduz direitos trabalhistas
No dia 23 de março deste ano, 400 mulheres que trabalhavam para a RC Nutry Alimentação Ltda.,responsável pelo preparo e distribuição de merenda escolar em São Luís, foram demitidas, em função do novo coronavírus. Elas afirmam que, após a dispensa, não receberam o conjunto ou parte das verbas rescisórias obrigatórias, compostas por férias vencidas e proporcionais, 13º salário e a multa de 40% aplicada ao Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS).
“Houve o repasse de apenas 50% do valor das férias e de 50% do 13º salário. A multa rescisória de 40% caiu para 20%. O FGTS não estaria disponível para saque, pois há erros cadastrais na documentação. E, sem sacar o FGTS, estamos impedidas de dar entrada no pedido de seguro-desemprego”, informaram as merendeiras.
A redução tem respaldo em uma medida provisória, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas perde validade se não forem respeitados os critérios estabelecidos pela legislação trabalhista. A RC Nutry Alimentação Ltda. fez as rescisões contratuais alegando “motivo de força maior”, o que permite, segundo a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), a redução da multa do FGTS.
Mas a demissão com a justificativa de força maior só pode ser aplicada se a crise financeira levar ao fechamento da empresa ou do estabelecimento. Mesmo sem aulas escolares, e consequentemente sem a distribuição de merenda escolar, as ex-funcionárias informaram que a empresa continuaria na ativa, inclusive, fornecendo os ítens para compor as cestas básicas que são entregues aos pais de alunos, por meio de contratos com órgãos públicos, conforme lei federal.
À O Imparcial, a RC Nutry Alimentação Ltda se posicionou dizendo ter feito a entrega de toda a papelada demissional, dentro do prazo de dez dias, para as 400 ex-funcionárias. Porém, não respondeu sobre os possíveis erros de cadastro na documentação, citados pelas merendeiras. A empresa disse ainda que “acredita a Caixa Econômica Federal estar exigindo ‘sentença judicial trabalhista’, para que os saques do FGTS sejam liberados, mediante demissões por motivo de força maior”.
“Sobre o motivo para as demissões, nós não tivemos outra alternativa senão a de fazer o desligamento das 400 funcionárias, uma vez que, não estamos recebendo os pagamentos dos nossos contratantes, e não temos, sequer, previsão de quando vamos receber esses valores”, informou a RC Nutry, na nota de esclarecimento, enviada a O Imparcial.
Ações trabalhistas
De acordo com o advogado trabalhista Bruno Maranhão, as empresas estão cortando vagas sem caixa para arcar com as despesas arcadas pelas demissões. No escritório de Bruno, desde meados de março, quando começou a pandemia, cerca de 60% das novas demandas envolvem a crise do coronavírus e seus reflexos nos contratos de trabalho. “Entre abril e maio, exceto o período de lockdown, eu tive 12 ações trabalhistas, nesse cenário”, comentou Bruno Maranhão.
O Imparcial também levou ao conhecimento do advogado as dificuldades para requerer o seguro-desemprego. Bruno garantiu que já bateram na porta do escritório dele casos em que clientes não conseguiam agendar, por telefone, os pedidos de seguro-desemprego. “Houve o caso de uma cliente ‘perdida’ no processo de requerer o auxílio. Ela tinha acabado de sair do seu primeiro emprego, logo, passava pela sua primeira demissão. A cliente confessou ter ido à SRTE, em São Luís, mas estava fechada”, contou o advogado.
No dia 28 de abril, o governo federal incluiu o processamento do benefício do seguro-desemprego na lista de atividades essenciais, o que permitiu a reabertura das unidades do Sine e a volta do atendimento presencial. Mas a SRTE-MA informou que manterá a sua sede e todas as unidades Sistema Nacional de Emprego fechadas, como forma de evitar aglomerações, durante a pandemia.
Mais de 60 mil acordos
Se houve desempregos, por outro lado, as medidas de custeio da folha com juros baixos, complementação de salários reduzidos e auxílio a trabalhadores informais estão ajudando a manter o mercado de trabalho, no país, e no Maranhão. Álvaro Veloso afirmou que, no estado, já houve 68.720 adesões à Medida Provisória (MP) 936. “Sem a medida provisória, acredito que a grande maioria desse volume estaria desempregada hoje”, declarou o superintendente da SRTE-MA.
A Medida Provisória foi editada em 1º de abril deste ano, para evitar demissões durante a crise. Os trabalhadores que tiverem corte de salário e suspensão do contrato receberão um complemento com base no seguro-desemprego. A redução de jornada e de salário tem vigência de até três meses, e a suspensão do contrato, de até dois meses.
Rumos do mercado
Um dos fatores que dificultam o debate sobre os rumos do mercado de trabalho no Maranhão é a ausência de dados estatísticos. Não há nenhuma divulgação que mensure o nível de emprego com carteira assinada durante a quarentena. Nacionalmente, o Ministério da Economia divulgou este mês que o país deve encerrar o ano com uma perda de três milhões de postos de trabalhos formais.
A advogada trabalhista e bacharel em Administração, Maira Passos, fez comentários importantes sobre a conjuntura local. A especialista ressaltou que a crise econômica incentivada pela Covid-19, no Maranhão, começou a ficar mais clara a partir de meados de abril, quando as empresas começaram a fechar suas folhas de pagamentos, e a constatar suas quedas de faturamento. Nesse período, segundo Maira Passos, também foi reduzida a arrecadação fiscal do estado.
Ao analisar esse cenário, Maira acredita que os números de pedidos de seguro-desemprego neste mês de junho devem se estabilizar. “O comércio de atividades não essenciais deve reabrir aqui no Maranhão, revigorando a expectativa de que a economia voltará a respirar, com alguns sinais de recuperação, mesmo que o processo seja lento”, previu otimista.
“Numa situação difícil de redução do Produto Interno Brasileiro (PIB), é evidente que isso vá refletir na ocupação dos postos de trabalho. Mas o Estado procure adotar uma medida de redução da carga tributária, que não sofreu qualquer alteração no período de pandemia, e organizar a atuação nos setores estratégicos como agricultura familiar, para que não haja mais desempregos, e nos aproximemos do equilíbrio econômico”, concluiu a advogada.