opinião

Participação política antirracista

Yuri Costa (*) e Marco Adriano Fonsêca (**) – Defensor Público Federal e Professor UEMA(*) e Juiz de Direito TJMA e Professor ENFAM e UEMA (**)

As eleições municipais de 2024 coincidiram com as comemorações dos 36 anos da Constituição Federal de 1988. A data leva à reflexão do quanto a Constituição chamada de “Cidadã” consagrou princípios e garantias que buscam assegurar o livre exercício dos direitos individuais, sociais e políticos como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Os parlamentares que elaboraram a Constituição de 1988, denominados constituintes,  elegeram como fundamentos de nosso regime republicano a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Ao assim fazer, estimularam uma efetiva participação e ocupação dos espaços políticos por pessoas das mais variadas origens. Não esqueçamos que outro dos objetivos fundamentais da República é a redução das desigualdades e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Pelo que aqui foi mencionado, o sistema político democrático brasileiro deve refletir adequadamente a diversidade de nossa sociedade, a fim de atender às necessidades legítimas, visões, vivências e expectativas de todos os setores da população.

Os direitos políticos e a previsão constitucional de ampla participação da população são uma realidade relativamente recente na democracia brasileira. Até maio de 1888, a maioria das pessoas negras no Brasil estava submetida à escravidão, sendo ela legalizada e oficialmente institucionalizada. O escravismo afastava as pessoas negras da participação política e social, inclusive os tratando formalmente como objeto, como patrimônio, e consequentemente não as considerando cidadãos.

Com a chegada da República, em novembro de 1889, essa situação não mudou por completo. A primeira Constituição republicana do Brasil, de 1891, previa o alistamento eleitoral somente para homens maiores de 21 anos. Proibia a participação política de pessoas por ela denominadas de “mendigos” e dos analfabetos. Isso ocorreu em uma época em que a população brasileira era de 14,3 milhões de pessoas, sendo 6,3 milhões de brancos e 8 milhões de negros (pretos ou pardos), segundo o censo demográfico de 1890. No mesmo período, mais de 85% da população brasileira não sabia ler e escrever. Ou seja, o exercício dos direitos políticos era um privilégio para um pequeno grupo social formado por homens brancos, tendo um caráter evidentemente excludente, já que apenas aproximadamente 800 mil pessoas estavam aptas a votar, correspondendo a menos de 6% da população.

O voto feminino foi instituído apenas em 1932, pelo Código Eleitoral, passando a estar incluído no texto constitucional em 1934. Inicialmente, houve a previsão de que poderiam votar apenas as mulheres que exercessem “função pública remunerada”. Por outro lado, o voto facultativo para os analfabetos foi instituído em 1985, por meio de uma emenda à Constituição de 1967.

Essas informações não deixam dúvidas de que a ampla participação e o pleno exercício da cidadania foram previstos nas leis há não muito tempo, sendo uma realidade recente na história democrática brasileira.

Porém ainda temos muito que avançar. Para alcançarmos a consolidação de um Estado Democrático e de um processo eleitoral que represente os valores constitucionais, é necessário compreender o fenômeno da participação política a partir de uma perspectiva antirracista.

Vejamos os dados atuais da composição do eleitorado brasileiro. Segundo informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para o processo eleitoral de 2024, o Brasil possui aproximadamente 156 milhões de eleitores que podem votar. As mulheres representam 52% desse eleitorado.

Quanto ao recorte étnico-racial, ainda de acordo com o TSE, que se baseia na autodeclaração dos eleitores, 65% do eleitorado é composto por pessoas autodeclaradas negras, das quais 11% são pessoas pretas e 54% são pessoas pardas. Os brancos correspondem a 33,34% do eleitorado, os indígenas a 1% e os amarelos, ou seja, os descendentes de pessoas asiáticas, a 0,72%.

Importante destacar que os dados sobre a raça e etnia dos eleitores somente começaram a ser coletados pela Justiça Eleitoral em 2022. Consequentemente, o cadastro eleitoral ainda não possui um perfil étnico-racial robusto do eleitorado nacional, assim como não permite perceber sua variação ao longo das eleições.

Em um cenário de eleitores majoritariamente negros, as eleições de 2024 registraram quase 460 mil candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. Essa foi sua composição racial: 52,73% de negros (41% de pardos e 11,73% de pretos), 45,65% de candidatos brancos e 0,55% de indígenas.

O percentual de candidatos negros é o maior das últimas três eleições municipais, sendo a segunda vez que as candidaturas negras superam a quantidade de candidaturas brancas. No entanto, um dado importante merece ser ressaltado: para o cargo de prefeito ou prefeita apenas 37% dos candidatos se declararam negros.

Após a divulgação oficial dos resultados das eleições deste ano, podemos ver o seguinte cenário: 45,8% dos vereadores eleitos são pretos ou pardos, havendo um crescimento se comparado aos números das eleições de 2020, com 44,46%. Desse universo, 38,93% se declaram pardos e 6,93% se declaram pretos. Elegeu-se em 2024, 214 parlamentares indígenas para os municípios.

Já para o cargo de prefeito foram eleitos 33% de candidatos autodeclarados negros, um aumento de 1,4% em relação a 2020. Dos prefeitos eleitos, 31% são pardos e 1,3% pretos. Ainda segundo os dados do TSE, 470 cidades brasileiras terão pela 1ª vez prefeitos negros. Em 7 cidades foram eleitos indígenas para a chefia da prefeitura. No município de Marcação, na Paraíba, foi eleita a única prefeita indígena, Ninha, da etnia Potiguar.

Embora a Constituição Federal de 1988 preveja o pluralismo político e o respeito às diferentes cosmovisões e à valorização da diversidade étnica como instrumentos antirracistas, a apresentação dos resultados das Eleições 2024 evidenciam o quanto as questões raciais permanecem estruturais no Brasil. Elas repercutem na ascensão e na emancipação social, política e econômica da população negra e indígena. Por isso é necessário e urgente o aperfeiçoamento das políticas públicas de equidade racial no processo eleitoral, político e democrático de nosso país.

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