Sem pessoas trans, não há democracia
Symmy Larrat – Secretária Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC)
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Por que falar de visibilidade trans é importante para a democracia? O pleno exercício democrático é construído frente ao acesso a um conjunto de direitos que devem levar em consideração a diversidade de vozes, corpos e identidades políticas construídas ao longo da história do povo brasileiro. Quando pensamos a política pública ignorando essa multiplicidade, ferimos a democracia, pois invisibilizamos sujeitos e comprometemos a cidadania como um pilar fundamental para a participação social e política.
O Dia Nacional da Visibilidade Trans, celebrado nesta quarta-feira (29/1), é mais do que uma data para celebrar as nossas existências. É uma data para imprimir uma agenda de luta capaz de posicionar nossas demandas com centralidade na construção da política pública e da democracia.
Nossa trajetória é de resistência e luta. O 29 de janeiro é reflexo disso. Em 2004, ativistas travestis, transexuais e transgênero lançaram a primeira campanha nacional contra a transfobia, “Travesti e Respeito”, em parceria com o então Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, no Congresso Nacional, em Brasília. A iniciativa buscava sensibilizar educadores e profissionais da saúde e contou com a liderança da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e de ativistas que, até hoje, seguem na defesa dos direitos das pessoas trans. Desde então, o Dia Nacional da Visibilidade Trans é celebrado anualmente.
Apesar dos avanços que conquistamos, as pessoas trans ainda sofrem com a exclusão e a perseguição de conservadores, o que impõe a necessidade de irmos além da visibilidade. Possuímos a menor expectativa de vida; temos o pior índice de acesso à escola e ao mercado de trabalho; e seguimos sendo alvo de discursos de ódio, como evidenciado nos cenários políticos recentes — vide os acontecimentos pós-posse do presidente republicano Donald Trump nos EUA.
Paradoxalmente, ainda estamos na vanguarda dos movimentos populares. Nossos mandatos no parlamento têm impulsionado pautas diversas e urgentes que a esquerda abandonou o protagonismo. Somos o embrião de uma sociedade mais humana, justa e igualitária.
Para a direita e a extrema-direita, nós somos o pecado que coloca em risco os costumes conservadores e a lógica patriarcal da família tradicional. Enquanto isso, para parte da esquerda, somos reduzidos a um movimento identitário. Ir além da visibilidade é construir tecnologias capazes de fortalecer a garantia de direitos às pessoas LGBTQIA e, consequentemente, ao povo.
Na Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA , nosso exercício se fundamenta na formulação de estratégias que promovam ampla participação social, enfrentando as violências contra as pessoas LGBTQIA em diversas esferas sociais, culturais e políticas, tendo, ainda, a estratégia de trabalho digno como um marco fundamental para a superação da vulnerabilidade imposta pelo “cistema” contra nossos corpos.
Como resultado dessas frentes de trabalho, realizaremos a 4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA , que, após nove anos pausada, será retomada em outubro de 2025, em Brasília. O tema do encontro será “Construindo a Política Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA “.
Além disso, seguiremos trabalhando com a marca “LGBTQIA Cidadania”, com entregas importantes às pessoas LGBTQIA no país por meio de ações de diferentes áreas do governo. Ao todo, são três programas estruturantes: Acolher , voltado ao acolhimento de pessoas em situação de abandono ou violência; Empodera , que promove o trabalho digno e a geração de renda; e Bem Viver , dedicado ao enfrentamento às violências nos territórios, garantindo direitos à população LGBTQIA do campo, das águas e das florestas.
Em um momento de crescente intolerância, violência e ódio contra as nossas existências, estruturar um conjunto de políticas públicas é fundamental. Somos pessoas detentoras de direitos que lutam para existir e não morrer. Como disse anteriormente, somos a vanguarda do movimento popular e a maior força para destruir um “cistema” excludente e patriarcal.
Políticas públicas de caráter popular e voltadas à igualdade e à equidade são instrumentos fundamentais para transformar a nossa realidade e consolidar uma sociedade verdadeiramente democrática e humana. Nossa missão é deixar nítido que: sem a presença das pessoas trans e de toda a população que constitui o Movimento LGBTQIA , nenhuma revolução é possível, muito menos a democracia plena