Impacto da economia da cultura no pib
Silvio Bembem – Doutor em Ciências Sociais-Política. Servidor Público. Professor do Curso de Pós-Graduação em Gestão de Cultura da Escola de Governo do Maranhão.
Em 2023, no dia 4 de dezembro escrevi um artigo alusivo ao Dia Nacional do Samba. Agora o foco é na economia da cultura e seu impacto no PIB e no setor de serviço com geração de trabalho e renda (IBGE, 2024), por meio da economia criativa. Uma pesquisa do Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural mostrou que a economia criativa no Brasil registrou um crescimento sensível em 2023. O setor experimentou uma expansão de 4% na oferta de empregos, comparado aos 2% observados na economia geral, com 7,8 milhões de novos postos de trabalho no ano.
Aqui um breve histórico da criação do Ministério da Cultura, que antes era vinculado ao Ministério da Educação, Esporte e Lazer. Somente com a redemocratização é criada uma Secretaria de Cultura vinculada à Presidência da República, mas foi criado também à Fundação Cultural Palmares para só então surgir o 1º Ministério da Cultura, no governo Sarney, tendo como o primeiro ministro José Aparecido de Oliveira (ficou no cargo somente por dois meses de 1985) e o segundo Aluísio Pimenta (ficou menos de oito meses no cargo) e o terceiro Celso Furtado (autor do clássico Formação Econômica do Brasil), mas que se envolveu com o tema da Cultura, no período de 1986 e 1988 (este vai ajudar a implementar com sua equipe a Lei Rouanet, chamada de Lei Federal de Incentivo à Cultura, e que antes era chamada de Lei Sarney, Lei n° 7.505 ( a primeira lei federal de financiamento às atividades artísticas no país, posta em vigor por um decreto assinado em 2 de julho de 1986).
Mas a Lei Rouanet teve sua provocação depois de mais de uma década, quando em 1972, seu autor, o embaixador Sérgio Paulo Rouanet que lhe deu nome, apresentou ao Senado pela primeira vez o Projeto de Lei n° 54, que tinha o objetivo de deduzir do imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas toda operação de caráter cultural ou artístico a partir do exercício de 1973, ano base 1972, mas não avançou. Só em março de 1985, tramitou no Congresso, um novo projeto de autoria do Senador Sarney, no seu último dia no senado, isso antes de assumir a Presidência da República (com a morte do presidente da República eleito Tancredo Neves). No dia seguinte, cria o Ministério da Cultura (MinC), agora desvinculado da pasta da Educação (MEC). O Secretário de Cultura, Sérgio Paulo Rouanet ficou encarregado, na época, de restabelecer os princípios da Lei Sarney (1986), propondo uma nova forma de política de financiamento público para o setor, e daí apresentou o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), que em 23 de dezembro de 1991 é publicada como Lei nº. 8.313, passando a se chamar Lei Rouanet (o objetivo é regular as relações entre as várias partes envolvidas no processo de produção e de consumo de bens culturais e permitir a parceria entre o artista, produtor cultural e a iniciativa privada). O que vem contribuindo no fomento e apoio à produção de eventos culturais. De acordo com fonte do Ministério da Cultura (Minc) em 2024, atingiu o recorde de 19.129 propostas submetidas à Lei Rouanet, que tem como objetivo incentivar a promoção de eventos ou produtos culturais.
E ratificando que a Lei Rouanet se consolidou (mesmo com todas as críticas de beneficiar certa elite cultural do sul e sudeste, e bem menos do norte e nordeste) e depois surgiu a Lei Aldir Branc (resposta da sociedade brasileira ao impacto da pandemia de COVID-19 no setor cultural), sancionada em junho de 2020 (Lei nº 14.017) e a Lei Paulo Gustavo (nº 195, de 08 de julho de 2022, também criada para incentivar a cultura e garantir ações emergenciais, em especial na pandemia), que só vêm reforçar a buscar de incentivo cultural, por meio de edital de patrocínio. Nos últimos anos, de acordo com o Ministério da Cultura (2024), esse modelo de financiamento e apoio público injetou na economia da cultura brasileira cerca de R$ 3 bilhões (só a Rouanet) através da renúncia fiscal, apoiando mais de 5 mil projetos culturais. Nesse sentido, permitindo aos governos estaduais adotarem política e gestão cultural mais eficientes, considerando que às leis de incentivos e editais de patrocínios não se apresentam democrática e transparente, com acesso a recurso ainda muito desigual.
Aqui trago como exemplo recente, o resultado da seleção do Edital da Petrobras Cultural, divulgado no dia 29 de novembro de 2024. Pelo resultado final, observa-se mais estados ricos do sul e sudeste com projetos aprovados, como sejam: 1º lugar RJ com 12 projetos selecionados; 2º lugar SP e RS empatados com 11 projetos cada um; 3º lugar BA, PA, PR e DF com 9 projetos. É aquilo, que Celso Furtado apontava: «a riqueza do país está sempre concentrada na região sudeste e sul”, estados ricos que também capturam mais recursos públicos”. No livro – Em A Seca e Poder (FURTADO, 1998): “…Não sei dizer o que é atrasado em São Paulo.
A política representa muito menos para uma região rica do que para uma região como o Nordeste, que depende bastante do governo. A política de um estado como o Rio de Janeiro é muito autônoma, o estado é rico […]. São Paulo nem se fala…”
O que analiso é que de acordo com dados da Petrobras: 1) Foram recebidos 8.044 com grande variedade temática e geográfica, que refletem a diversidade da cultura brasileira, destes projetos, sendo selecionados somente 139 (isso quer dizer, menos de 12% do total de 8.044); 2) Conforme o Regulamento/Edital da seleção Petrobras Cultural, destinará R$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de reais) para viabilização dos projetos selecionados – dividindo o valor pelo total de projeto selecionados que foram 139, isso corresponde a um valor de R$ 179.856.11 (cento e setenta e nove mil, oitocentos e cinquenta seis reais e onze centavos) em média por cada projeto selecionado; 3) Do ponto vista da diversidade e representatividade de estados com projetos selecionados, até que cumpriu. Mas, observa-se certa desigualdade no quesito quantidade de projeto selecionado, muito baixo (nos quatro novos eixos temáticos: Ícones da Cultura Brasileira; Cinema e Cultura Digital, Produção e Circulação e Festivais e Festas Populares).
E o nosso Maranhão, terra do gigante João do Vale, da gigante Alcione e do grande Zeca Baleiro? Teve 2 projetos selecionados – Projeto: “Mandingas e Mandingueiros no Caminho da Ancestralidade”. Síntese: Espetáculo musical, catálogo e formações no eixo da economia criativa. Entidade proponente, Centro Cultural e Educacional Mandingueiros do Amanhã. No eixo Produção e Circulação; e o Projeto “Portal Multimídia e Acessível Narrativas de Brasis – Canal da Diversidade Cultura”. Síntese: Portal multimídia com notícias, colunas de opinião, entrevistas, cobertura de eventos culturais, entre outros. Entidade proponente, Narrativas de Brasis Criações Artísticas e Ações Educativas Ltda., no eixo Cinema & Cultura Digital. Mas, nenhum projeto no eixo “Festivais e Festas Populares” (foco na música e show), o forte da cultura criativa do Maranhão.
E não por acaso, e muito oportuno foi que o governo Lula, por meio do Ministério da Cultura, anunciou uma linha da Lei Rouanet exclusiva para a região do Nordeste no valor previsto de R$ 50 milhões, prometendo democratizar o acesso aos recursos da Lei de Incentivo e Edital de forma isonômica, equitativa, republicana, descentralizada, plural, transparente e ética. O problema é que o Ministro da Fazenda anunciou o pacote de corte de gasto do governo federal e o “deus mercado” não gostou, o dólar subiu e o Congresso nacional pode dificultar a aprovação.
Espera-se que não seja mais um discurso de milhões e gestos cerimoniais, essa fala da ministra da Cultura, Margareth Menezes, que aconteceu no último dia 28 de novembro, sendo manchete em vários jornais. Não quero que o escritor Luís Fernando Veríssimo esteja certo quando disse certa vez: “Ás vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”. E concordando com o ex-ministro da Cultura do 1º governo Lula (2003), o cantor e compositor Gilberto Gil (2022): “é preciso acabar com essa história de achar que a cultura é uma coisa extraordinária; cultura é ordinária! ”
Por fim, penso que se o movimento cultural não lutar de forma unificado e organizado para reivindicar isonomia, transparência e democracia no acesso dos recursos nas leis de incentivos e editais de patrocínio, a força do politicismo será a cultura que vai continuar imperando, principalmente em regiões periféricas, desigual e de pobreza.
Com esse artigo faça a minha homenagem ao Dia Nacional do Samba.
VIVA, O SAMBA! E NÃO DEIXE O SAMBA MORRER.